quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Atravessando o Portal do Tempo XV

XV   “Não há nenhuma realidade a não ser a que está contida  dentro de nós. 
É por isso que tantas pessoas vivem uma vida      tão irreal. Elas pegam as imagens que estão fora de si, acham que são reais e nunca permitem que seu mundo interior venha à tona”.
                                                                                   Herman Hesse

O apartamento de João Carlos era muito bonito e bem decorado. Percebia-se  o seu bom gosto em cada detalhe.
- É muito bonito o seu apartamento.  E a vista para o mar torna-o mais bonito e alegre. Uma vista linda! E com este luar...
 - É agradável e realmente a vista é um presente de Deus. Mas às vezes torna-se grande demais para  uma pessoa que vive só. E como viajo muito,  fico muito tempo distante desta vista maravilhosa.
-          Você viaja sempre?
             - Muito. A negócios. Como sabe, sou Diretor das Empresa da família, tenho responsabilidades grandes. Às vezes demais. É triste para mim que estou tão voltado para a Espiritualidade, ter que me preocupar tanto com lucros...essas coisas que você sabe. Meu pai fazia isso muito bem.  Sempre foi altamente espiritualizado e  no entanto conseguiu realizar uma estrutura econômica  digna de respeito e admiração. E veja bem! Sem perda do caminho espiritual que escolheu. Temo não ser capaz de fazer o mesmo.
 - Mas uma Empresa como a sua oferece empregos, dá qualidade de vida a tanta gente...Isto não é também servir à Espiritualidade?
- Com certeza, agora mesmo acabei de convidar Lúcia para chefiar o Departamento de Recursos humanos. Ela tem conhecimentos e técnicas que me  interessam oferecer aos  funcionários. Quero que façam relaxamento, tenham palestras sobre os assuntos  mais importantes, como estresse, fumo, álcool. Algumas Empresas já fazem isso, e eu as admiro. A pessoa que estava à frente do Departamento é muito antiquada, resistente ao novo. Precisei remanejá-la para outro setor. Quero Lúcia no lugar. Ela é inteligente e competente. Vai levar um novo colorido ao trabalho que realizamos. Quero que todos se sintam motivados e reconheçam o seu valor tanto a nível pessoal como dentro da Empresa.
- Mas isto é espiritualidade na prática! Não acha? Estou  me  lembrando de algo que li em algum lugar. Veja se não tem a ver com o que estamos falando: “O que significa ser promovido a uma posição de liderança? Significa que agora temos autoridade para servir aos outros de maneira especial”.  
-  De certa maneira, sim. Mas sabe o que  gostaria mesmo? O que me daria prazer era poder morar numa casa numa pequena cidade do Interior, criar galinhas...viver em contato com a natureza, com a mulher amada, crianças correndo...esse é o meu sonho de realização. Parece muito?
-          Não. Creio que não.  Às vezes também penso nisso.
-          Ter uma família?
-  Não, não falo disso. Digo, voltar a morar numa cidade do interior. Clinicar por lá mesmo, ajudar as pessoas mais simples...
A conversa seguiu por esse caminho.  Clara sentia-se bem, mas ele estaria pensando em casar e sair da cidade?
- Clara, importa-se de ir para a  cozinha? Você poderia preparar um suco de frutas enquanto  coloco o almoço no forno para aquecer. Já está tarde. Além disso os trabalhos de energização e irradiação me deixam com fome. Mas não repare a falta de jeito na cozinha.
   - Sempre viveu sozinho? Nunca casou, teve filhos? Você parece  ter bastante experiência com as coisas domésticas..
 - Não, nunca  conheci alguém com quem tivesse  vontade de passar o resto da minha vida. Quando penso no casamento, imagino uma relação bonita e estável. Que traga emoção e desejo, vontade de querer voltar logo para casa, para a mulher que amo. Uma mulher com quem tenha afinidade física e espiritual. Sem isso, não há qualquer possibilidade de união. Conheço tantas pessoas que voltam para casa  porque têm que  voltar! Mas sem mostrar felicidade com isso. Não quero isso para mim. Cresci vendo meu pai  chegar em casa feliz, abraçar, beijar minha mãe e os filhos com amor, desejo de estar junto. Isto sim, é  casamento!  Amor! E nunca  havia sentido isto por ninguém. 
            Clara ouvia o amigo falar. Entendia o que ele dizia, porque ela também não queria apenas um casamento. Queria mais. Queria um grande amor, queria desejar se aninhar nos braços de alguém especial.
João se calou durante alguns minutos e continuou.
             - Mas só eu falo?  E você por que não se casou ainda? Tão inteligente, tão bonita... Não faltaram  oportunidades, com certeza. Alguma decepção?
-          Não, de forma alguma. Nunca me interessei por ninguém. Só isso.
-          É mesmo? Como é possível? Conhecendo tantas pessoas...
- Desde criança dizia que não me casaria. E acabei acreditando que era verdade!
Riram da cara marota que ela fez quando falou.
-          Você fica linda quando ri. Não, você é linda sempre!
-          Se falar assim vai me encabular...Mas o que queria me falar?
Clara estendeu a toalha e pegou os copos e pratos no armário.
João  serviu o almoço:  Uma salada e um prato de massa.
-          Veja que maravilha. Isto sim, é  receber bem!
Riram da ironia do dono da casa.  João levantou o copo de suco e brindou. - “A nós”.
Logo depois, João Carlos tornou-se  sério.
- Clara, preciso falar-lhe sobre o que aconteceu hoje durante o trabalho. Falo do momento em que você saiu e foi se encontrar com o Mestre.
-          Como sabe o que aconteceu? Você viu?
-          Eu fui com você. Lembra-se disso?
Clara ficou em silêncio. Agora tinha a resposta que procurou tanto. Quando saiu do físico, percebeu que não estava sozinha, via um vulto, mas não conseguia ver quem estava com ela. O Mestre falou todo o tempo para ela e mais alguém. Sabia que havia alguém mais  participando da experiência.  Mas João? Era demais, não podia crer.
 - Desculpe. Vi com a visão astral que estava saindo do corpo físico e fiquei preocupado. Sei que você não tem muita experiência em sair em  corpo astral  e poderia  correr algum risco. Não tive intenção de seguí-la, mas não podia deixá-la ir sozinha. Às vezes ocorrem situações estranhas, que podem oferecer riscos aos novatos. Mais tarde quando estudar mais, saberá porque digo isso. Quero que acredite que foi apenas para cuidar de você.   Logo depois vi que  estava flutuando na direção  daquele Ser de Luz, então quis regressar, mas Ele disse que eu deveria  acompanhá-la. Ele sabe do carinho que sinto por você e permitiu que participasse de toda a experiência. Vi e ouvi o que você viu e ouviu. Quando voltamos ao plano físico você  demorou a recuperar a consciência e pedi que Marta a ajudasse.
Clara ouvia tudo em silêncio. Não sabia o que falar. Essa situação era tão nova para ela...Depois de algum tempo, ele continuou a falar.
- Compreende por que precisava lhe falar? Tinha que lhe contar... Agora sei que não precisa de ninguém para protegê-la... Tem um Mestre de muita Luz. A Estrela Dourada a protegerá sempre que passar por qualquer região do Astral. Ninguém pode fazer-lhe mal, é Filha do Raio Dourado. É uma Sacerdotisa!
Ao dizer estas palavras, João pegou as mãos de Clara e as beijou.
Clara não disse nada. Continuou em total silêncio enquanto as lágrimas rolavam. E João continuou segurando as suas mãos com carinho.
- João, não sei o que dizer. Nem  pensei que uma situação assim seria possível. Sair do corpo, e você me acompanhar....Que loucura, meu Deus! Mas por outro lado, fico feliz de poder contar com um amigo como você, tão carinhoso. Saber que estava por perto, cuidando de mim, ser um pouco meu anjo de guarda...Eu sei que isso não vai ser uma constante, mas ainda assim, sinto-me segura com você ao meu lado.
-          Então compreende o que aconteceu? A minha intenção?
 - Claro, fique tranqüilo. Agora posso falar da minha experiência,   você pode-me  entender melhor...saber do que estou falando. Não é legal?
- Agradeço a confiança que  você está demostrado em mim. Isto me deixa muito feliz. Logo no início, desde quando nos conhecemos, você me confiou coisas suas. Clara, você é assim com outras pessoas?
- De forma alguma. Raramente falo de mim. Mesmo com Lúcia, minha amiga há tantos anos...muita coisa  que você sabe, não contei a ela.
João Carlos pegou a mão e ficou segurando entre as suas.
- Então sou um privilegiado! É isso?
- Você me conquistou! 
Quando percebeu o que dissera, Clara tentou consertar, enquanto retirava as mãos que João continuava segurando.
-          Você conquistou a minha amizade.
- É isso que eu quero, que confie em mim. E então vai me ajudar na arrumação da cozinha?

A tarde passou, a noite chegou e eles nem perceberam. A música agradável criava um clima perfeito para a conversa dos dois. Falaram das experiências místicas, das dificuldades de cada um para encontrar o caminho da Espiritualidade em meio aos problemas do dia a dia....João voltou a falar das viagens, do trabalho, dos projetos, da família. Logo Clara sabia tudo a seu respeito.
- É ótimo saber que tem sonhos. É o primeiro passo para a realização de qualquer pessoa: sonhar. Fico triste quando ouço alguém dizer que não tem qualquer desejo, sonho ou esperança...Como pode uma pessoa com saúde, vida, dizer que não sonha?. Que não espera mais nada? É triste ver!
-          E você? Quais sãos os seus sonhos?
Clara custou a  responder. Sonhava crescer na vida profissional, ajudar seus pacientes do modo mais apropriado...aprender tudo que fosse possível sobre Espiritualidade, ocultismo e tudo mais que promovesse seu auto-conhecimento. Viver! Tantos sonhos...
- Apenas isso? E você, enquanto pessoa, onde entra nesse projeto todo?
-          Mas acha pouco? Quem dera conseguisse realizar todos esses sonhos. Seria a realização máxima!
-          Então, definitivamente,  não pensa em ter uma família?
-  Não penso nisso. Já lhe falei. E você? Ainda agora há pouco falou o mesmo!
 - É diferente. Não posso imaginar uma mulher tão especial envelhecendo sozinha.
 - Então vamos fazer um trato. Dentro de alguns anos, se você ainda estiver só, mas quando estivermos bem velhinhos...moramos juntos. Topa?
-          Feito! Mas é preciso esperar ficar assim...bem velhinhos?
Os dois riram com a postura assumida por  João imitando a velhice.
Quando deram conta, era hora de Clara voltar.
-  João, Marta sabe da experiência que vivemos hoje? Ela viu algo?
- Não falamos sobe isso, mas creio que não. É um  segredo nosso, para lembrarmos quando estivermos velhinhos e estivermos juntos. Você tem certeza que quer mesmo morar numa cidade  pequena? Preciso começar já  a procurar uma casa bem bonita, como você merece.
- Então veja uma no alto de uma montanha, bem perto do céu. É o meu sonho!
- Você se importaria se tivesse também um pequeno templo onde possamos fazer a meditação, sair de encontro aos amigos do Alto?

Clara chegou em casa muito feliz. Que dia maravilhoso. Aprendeu tanta coisa. Conheceu pessoas boas que se tornaram suas amigas e aquele espaço lindo onde se pratica o Amor e a Caridade.  Esteve com o Mestre da Estrela Dourada e conversou tanto com o querido amigo João. Pensou no acordo que fizeram: Morar juntos quando ficarem bem velhinhos.



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