Publicado por M. Manuela dos Santos Oliveira em 5 junho 2016 às 13:34 em BUDISMO Back to BUDISMO Discussions
LAMA MICHEL RINPOCHE - "É IMPORTANTE TER UM REFÚGIO DE AMOR"
17 de dezembro de 2013
Um paulistano de 32 anos que desde os 12 leva uma vida monástica, usa os característicos trajes de monge budista e viaja pelo mundo para levar ensinamentos. Parece intrigante? Então espere para saber que ele foi reconhecido por seus mestres como a reencarnação de um mestre tibetano, um fato importante, mas, segundo ele, não determinante na sua escolha pessoal por permanecer no caminho. Estamos falando do Lama Michel Rinpoche, com quem tivemos a sorte de conversar em nome do Nowmastê. Na breve, mas elucidativa entrevista, a impressão que ficou foi a de imediata familiaridade. O Lama fala sobre os fundamentos budistas com clareza e generosidade, o que tornou a sessão de perguntas e respostas um momento de reflexão para toda equipe do site. É essa experiência que queremos transmitir aos nossos leitores.
Nowmastê – Lama Michel, nessa vida louca que levamos, cheia de questões controversas, desde as mais complexas até as cotidianas – como o trânsito paulistano-, como encontrar momentos de serenidade?
Lama Michel – A primeira coisa é nos fazermos perguntas. É a partir daí que abriremos espaço para encontrar as respostas. Ainda mais hoje que temos tanto acesso à informação, com a Internet e outros meios de comunicação. Nesse exemplo que você falou, do trânsito de São Paulo, desde que eu era menino e vivia na cidade o tema já era motivo de reclamação. Então a pergunta é: “Seria possível viver isso de uma forma melhor, me relacionando positivamente com o mundo?” Porque o sofrimento geralmente vem de uma expectativa (o trânsito não poderia existir). Bem, como diria meu mestre, “se é, é porque pode”, então é melhor usar esse tempo que você fica parado de uma forma positiva. Eu conheço pessoas que aproveitam para escutar música, palestras, ensinamentos. E até querem que o trânsito vá mais devagar para que ele possa ouvir mais. É uma questão de avaliar as causas e as condições para melhorar a situação.
Nowmastê – E a impotência que sentimos em relação a coisas que vemos diariamente? Por exemplo, as pessoas em situação de miséria, as crianças desamparadas e outras questões sociais?
Lama Michel – É importante ajudar os outros verdadeiramente. E isso pode acontecer de forma momentânea, como dar um moleton a quem está com frio, ou comida para quem tem fome, o que é louvável. Mas há algo ainda mais nobre que é ajudar a si mesmo e, aí sim, ter as condições de ajudar as outras pessoas. Porque, segundo os ensinamentos do budismo, você aprende primeiro sobre o amor próprio, depois sobre o amor ao próximo e depois chega à correta visão da realidade. A partir daí estamos prontos para ter mais compaixão, mais estabilidade e mais generosidade.
Ainda nesse tema, há duas coisas importantes. A primeira é que as pessoas dediquem um pouco do seu tempo e recursos para ajudar o próximo. Cada um deve respeitar os limites e reconhecer qual é a sua capacidade, que pode começar com uma coisa simples como doar uma quantia por mês, ou ser voluntário, ou ajudar uma pessoa em dificuldades. Nem muito, nem pouco. A segunda coisa fundamental é não cair na indiferença, mesmo quando achamos que não somos capazes. Se encontramos uma pessoa na rua e ela nos aborda é importante presenciar a sua presença. Um olhar, um sorriso, uma resposta é o que a outra pessoa espera de nós. Às vezes até mais do que dinheiro.
Nowmastê – Existe aquela máxima que diz que há duas formas de aprender: pelo amor e pela dor. Você concorda com isso? Quais são suas impressões sobre o assunto?
Lama Michel – Para mim faz sentido. Acredito que as minhas dificuldades foram sagradas. Os problemas foram sagrados. Mas não é qualquer dor que ensina. É preciso olhar nos olhos da dor, encarar de verdade, “pegar o boi pelos chifres”. E essa ação não é só física, mas sim mental. Eu conheço pessoas que passaram por dores terríveis e, quando pergunto se preferiam que fosse diferente, dizem que escolheriam exatamente as mesmas situações justamente para serem o que são hoje. O importante é não fugir, pois se você deixa passar, mais cedo ou mais tarde aquilo vai aparecer de novo, de outra forma, mas com as mesmas questões. Muitas vezes somos preguiçosos para mudar e é isso que causa o sofrimento. Quanto ao amor, o aprendizado é sempre pelo exemplo, então aquilo que é dado com amor a gente recebe e acolhe. O poder do amor é transformador, traz uma sensação de confiar e “ser confiado”. E para lidar com dificuldades é muito importante ter um refúgio de amor, uma base positiva onde a pessoa encontra os recursos para ir em frente.
Nowmastê – Você acredita que os nossos insights pessoais também servem para as outras pessoas? Vale a pena compartilhá-los?
Lama Michel – Quando temos uma experiência profunda é como tentar contar da experiência do sorvete de chocolate para quem não conhece nem sorvete, nem chocolate. A pessoa pode tentar entender, mas não vai ter graça. De qualquer forma, quando algo faz sentido é correto compartilhar, desde que sem tentar converter. Com o tempo, temos a sabedoria de passar as coisas da forma certa, no momento certo para quem quiser ouvir. E a responsabilidade é sempre de quem fala, se adequando a quem ouve. Cada um vai até onde quer ir.
Com essa conversa, sob medida para refletirmos e nos inspirarmos, encerramos as entrevistas de 2013 do Nowmastê. E desejamos muitas alegrias, paz e luz para todos os nossos leitores.
Sobre o Lama Michel
Nascido em 1981, na cidade de São Paulo, conheceu seu mestre, Lama Gangchen Rinpoche quando tinha cinco anos. Logo em seguida passou a viajar por lugares sagrados no Tibete, Índia, Nepal e Indonésia quando foi reconhecido como um Tulku, ou seja, a reencarnação de um mestre que viveu no Tibete. Aos 12 anos, inspirado pelo convívio com Lama Gangchen Rinpoche e diversos Lamas tibetanos, decidiu, por conta própria, seguir a vida monástica na Universidade Monástica de Sera Me, no Sul da Índia. Por 12 anos recebeu formação nas práticas e filosofia budista segundo a tradição Guelugpa do budismo tibetano. Desde 2006 reside na Itália, e tem passado três meses do ano dedicando-se aos estudos e práticas no Monastério de Tashi Lhumpo, em Shigatse, no Tibete.
Ensinamentos do Lama Michel
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