domingo, 20 de março de 2016

Materialismo Espiritual - entrevista

Entrevista com Chögyam Trungpa, sobre o Materialismo Espiritual

(Nota: O Centro Shambhala de Meditação de São Paulo é um entre os mais de 200 Centros Shambhala associados à Shambhala Internacional espalhados pelo mundo. Nele se pratica e ensina Shamatha e Vipashyana, meditação de atenção plena e consciência panorâmica. Esta técnica se origina diretamente do Buddha Shakyamuni e vem sendo passada de professor para aluno há mais de 2500 anos. Shambhala Internacional é uma comunidade internacional fundada pelo Venerável Chögyam Trungpa Rinpoche)

1 – O senhor aceitou algum mestre espiritual como guru, algum mestre espiritual vivo em especial?
R – Neste momento, não tenho nenhum. Fisicamente, deixei meus gurus e mestres para trás, no Tibete, mas os ensinamentos permanecem comigo e continuam.

2 – Então, quem é que o senhor está mais ou menos seguindo?
R – As situações são a voz do meu mestre interior, a presença dele.

3 – Depois que o Buda Shakyamuni alcançou a iluminação, permaneceu nele algum vestígio do ego, de modo que ele pudesse prosseguir nos seus ensinamentos?
R – Os ensinamentos simplesmente aconteceram, Ele não tinha o desejo de ensinar nem de não ensinar. Ele passou sete semanas sentado à sombra de uma árvore e caminhando ao longo de um rio. Então, ocorreu que alguém apareceu por ali e ele começou a falar. Não há escolha. Você está ali, uma pessoa aberta. Então, a situação se apresenta e o ensinamento acontece. É o que se chama “atividade búdica”.

4 – É difícil não ser aquisitivo, com relação à espiritualidade. O desejo de adquirir é uma coisa de que nos desfazemos ao longo do caminho?
R – Você deve deixar que o primeiro impulso se esvazie. O seu primeiro impulso em direção à espiritualidade poderá colocá-lo em um cenário espiritual específico, mas se você trabalhar com esse impulso, pouco a pouco ele se extingue e, num determinado ponto, se torna tedioso, monótono. Esta mensagem é muito útil. Veja bem, é essencial relacionar-se consigo mesmo, com sua própria experiência, efetivamente. Quando não nos relacionamos conosco, o caminho espiritual torna-se perigoso, passa a ser mais um entretenimento puramente externo do que uma experiência pessoal, orgânica.

5 – Se decidirmos procurar uma saída para a ignorância, podemos supor, quase com certeza, que tudo o que fizermos e que nos der prazer será benéfico ao ego e estará, na verdade, bloqueando o caminho. Qualquer coisa que parece certa está errada, tudo que não nos virar de cabeça para baixo acabará por enterrar-nos. Existe alguma saída para isto?
R – Se você executa um ato que seja aparentemente certo, isso não quer dizer que ele seja errado, pela simples razão de que errado e certo estão fora deste contexto. Você não está trabalhando de nenhum lado, nem do lado “bom”, nem do lado “mau”, mas sim com a totalidade do conjunto, para além de “isso” e “aquilo”. Eu diria que há uma ação completa. Não existe ato parcial, embora tudo que façamos relacionado com bom e mau pareça um ato parcial.

6 – Quando nos sentimos muito confusos e procuramos nos desvencilhar e sair da confusão, pode parecer que estamos nos esforçando demais. Mas se não fizermos nenhuma tentativa, devemos então entender que estamos nos iludindo?
R – Sim, mas isso não significa que temos de viver nos extremos, esforçando-nos muito ou não fazendo tentativa alguma. Precisamos trabalhar com uma espécie de “caminho do meio”, um estado completo de “sermos como somos”. Poderíamos descrevê-lo com uma porção de palavras, mas temos realmente que passar por ele. Se você começa, de fato, a viver o caminho do meio, então irá enxergá-lo, irá encontrá-lo. Você precisa permitir-se confiar em si próprio, confiar em sua própria inteligência. Somos pessoas incríveis, temos coisas incríveis dentro de nós. Temos simplesmente que nos deixar ser. Auxílio externo não pode oferecer ajuda. Se você não está disposto a se permitir crescer, então cairá no processo autodestrutivo da confusão. Aqui temos autodestruição ao invés de destruição por outra pessoa. Eis por que isso é eficaz: porque é auto-destruição.

7 – O que é a fé? Ela é útil?
R – A fé pode ser simplista, confiante e cega, ou pode ser uma confiança definitiva que não pode ser destruída. A fé cega é destituída de inspiração, é muito ingênua. Não é criativa, embora não seja exatamente destrutiva. Não é criativa porque entre sua fé e você mesmo nunca se estabeleceu nenhuma conexão, nenhuma comunicação. Você apenas aceitou, cegamente, toda a crença, muito ingenuamente. No caso da fé como confiança, existe uma razão viva para você ser confiante. Você não espera que uma solução pré-fabricada lhe seja misteriosamente apresentada. Você trabalha com as situações existentes, sem medo, sem qualquer dúvida de envolver-se ou não. Essa atitude é sumamente criativa e positiva. Se sua confiança é definitiva, você está tão seguro de si que não tem que se fiscalizar. Trata-se de confiança absoluta, uma verdadeira compreensão do que está acontecendo agora. Portanto, você não hesita em seguir outros caminhos nem em tomar a atitude necessária frente a cada nova situação.

8 – O que é que o guia no caminho?
R: Na realidade, não parece haver nenhum guia em particular. De fato, se alguém estiver nos guiando, isso é suspeito, porque estaremos nos amparando em algo externo. Ser plenamente o que somos em nós mesmos passa a ser o guia, mas não no sentido de vanguarda, porque não há um guia para seguir. Não precisamos seguir os passos de ninguém, mas apenas seguir livremente. Em outras palavras, o guia não caminha à nossa frente, mas ao nosso lado.

9 – O senhor poderia dizer mais alguma coisa sobre como a meditação provoca um curto-circuito nos mecanismos protetores do ego?
R – O mecanismo protetor do ego implica você se fiscalizar, o que é uma forma desnecessária de auto-observação. A base da meditação não está no fato de meditar sobre determinado assunto por meio de uma autofiscalização, mas a meditação significa uma completa identificação com as técnicas que você estiver empregando. Desse modo, na prática da meditação, não há esforço algum para buscar segurança.

10 – Parece que estou vivendo num ferro-velho espiritual. Como posso transformá-lo numa sala simples com apenas um objeto bonito?
R – A fim de desenvolver a capacidade de apreciar sua coleção, você tem que começar com um único objeto. É preciso encontrar uma entrada, uma fonte de inspiração. Talvez não seja preciso passar pelo resto dos objetos da sua coleção se você estudar apenas uma peça. Mas precisamos começar com uma coisa, enxergar sua simplicidade, a qualidade tosca deste traste velho, ou desta bela peça de antiguidade. Se conseguíssemos começar apenas com uma coisa, isso equivaleria a ter um único objeto numa sala vazia. Creio que é uma questão de encontrar uma entrada. Por termos tantos bens em nossa coleção, o problema, em grande parte, é que não sabemos por onde começar. Você tem que permitir que seu instinto determine qual será a primeira coisa que irá apanhar.

11 – Por que o senhor acha que as pessoas protegem tanto o ego delas? Por que é tão difícil abrir mão do nosso ego?
R – As pessoas têm medo do vazio do espaço, da ausência de companhia, da ausência de uma sombra. Poderia ser uma experiência apavorante não ter ninguém nem nada com quem se relacionar. A ideia disso pode ser extremamente assustadora, se bem que a experiência real não o seja. Trata-se, geralmente, de um medo de espaço, de um medo de não sermos capazes de nos ancorarmos em um solo firme, de perdermos nossa identidade como uma coisa fixa, sólida e definida. Isto pode ser muito ameaçador.
Continua…

Leia mais:
Shambhala – Brasil – São Paulo

— Conclusão e Nota do Blog
O Ego não existe em ninguém mais, apenas nos seres humanos, o Ego começa a crescer, conforme a criança cresce. Os pais, as escolas, as faculdades, a universidade, todos eles ajudam a fortalecer o Ego pela simples razão de que, por séculos, o homem precisou lutar para sobreviver e a ideia tornou se uma fixação, um profundo condicionamento inconsciente, que apenas Egos fortes podem sobreviver na batalha da vida. A vida tornou-se apenas uma batalha para sobreviver… E os cientistas tornaram isto mais convincente, com a teoria da sobrevivência do mais apto. Então nós ajudamos cada criança a tornar se cada vez mais forte no Ego é aí que começa o problema. À medida que o Ego se torna mais forte começa a cercar a inteligência, como uma espessa camada de escuridão. A inteligência é Luz, Ego é escuridão. A inteligência é muito delicada, O Ego é muito duro. A inteligência é como uma flor, o Ego como uma rocha. E se você quiser sobreviver, eles dizem – os chamados conhecedores – então você precisa tornar-se como uma rocha. você precisa ser forte, invulnerável. Você precisa tornar-se uma cidadela, uma fortaleza fechada, para que você não possa ser atacado de fora. Precisa tornar-se impenetrável. Uma coisa é tornar-se forte diante dos desafios e das experiências. Mas desta forma você se torna fechado. Você começa a morrer assim como sua inteligência, porque a inteligência precisa de céu aberto, do vento, de ar, de sol para crescer, expandir-se e fluir. Para manter-se vivo, precisa-se de um constante fluxo e, se ele tornar-se estagnado, pouco a pouco permanecerá um fenômeno morto. Tente entender o Ego, analisá-lo, dissecá-lo, olhá-lo, observá-lo, de todos os ângulos e não tenha pressa em sacrificá-lo. Caso contrário, o maior egoísta nasce: a pessoa que pensa ser humilde. A pessoa que pensa não ter ego.
EQUIPE DA LUZ É INVENCÍVEL

Nenhum comentário: