domingo, 20 de março de 2016

O Materialismo Espiritual e o ego

cont.

— Os Caminhos Espirituais
Se não pusermos de lado o materialismo espiritual, se, na verdade, o praticarmos, poderemos, posteriormente, surpreender-nos na posse de uma imensa coleção de caminhos espirituais. Podemos pensar que esse aglomerado espiritual é muito precioso. Estudamos muito. Talvez tenhamos estudado filosofia ocidental ou filosofia oriental, praticado Yoga ou estudado sob a orientação de dúzias de grandes mestres. Conseguimos realizações e adquirimos conhecimentos. Acreditamos ter acumulado um arsenal de conhecimentos. E, no entanto, depois de passar por tudo isso, ainda nos resta abrir mão de alguma coisa. Isso é extremamente misterioso: Como pôde acontecer algo assim? Impossível! Mas, infelizmente, é assim mesmo. Os nossos vastos conjuntos de conhecimentos e experiências são apenas parte da exibição do ego, parte da característica aparatosa do ego. Nós as exibimos ao mundo e, ao fazê-lo, reasseguramo-nos de que existimos, sãos e salvos, como pessoas “espirituais”. Teremos, porém, apenas criado uma loja, uma loja de antiguidades. Poderemos estar nos especializando em antiguidades orientais ou antiguidades cristãs medievais, ou em antiguidades de uma outra civilização ou de um outro tempo, mas estamos, todavia, gerenciando uma loja. Antes de a enchermos de tantas coisas, a sala era bonita: paredes caiadas de branco, soalho bem simples e uma lâmpada brilhante acesa no teto.

— Uma metáfora sobre o Ego

No meio da sala havia um belo objeto de arte. Todas as pessoas que chegavam apreciavam sua beleza, inclusive nós mesmos. Mas não estávamos satisfeitos e pensamos: “Já que este único objeto embeleza tanto a minha sala, se eu conseguir outras antiguidades, minha sala ficará ainda mais bonita.” Assim, pusemo-nos a colecionar, e o resultado final foi o caos. Percorremos o mundo inteiro à cata de belos objetos – a Índia, o Japão, vários países. E sempre que encontrávamos uma antiguidade, como estávamos lidando apenas com um objeto de cada vez, víamos sua beleza e pensávamos como ficaria bonito em nossa loja. Mas quando levamos o objeto para casa e o colocamos na sala, ele se tornou apenas mais um acréscimo a nossa coleção de quinquilharias.
A beleza do objeto já não se irradiava, pois estava cercado de outras tantas coisas bonitas. O objeto já não tinha significado algum. Em lugar de uma sala cheia de belas antiguidades, estávamos criando uma loja de entulhos! Comprar adequadamente não implica acúmulo de uma grande quantidade de informações ou de coisas bonitas, mas requer uma apreciação plena de cada objeto individualmente. Isto é muito importante. Quando apreciamos de fato um belo objeto, identificamo-nos completamente com ele e esquecemo-nos de nós mesmos. É como assistir a um filme muito interessante, fascinante, e esquecermo-nos de que somos o público. Naquele momento, o mundo deixa de existir, todo o nosso ser é aquela cena daquele filme.
É a esse tipo de identificação que aludimos, o completo envolvimento com uma coisa. Será que efetivamente saboreamos, mastigamos e engolimos, de forma adequada, aquele objeto de arte, aquele ensinamento espiritual? Ou nos limitamos a considerá-lo como parte de nossa vasta a crescente coleção? Colocamos tanta ênfase sobre esse ponto porque sabemos que todos nós chegamos aos ensinamentos e à prática da meditação não para ganhar bastante dinheiro, mas porque tínhamos um desejo autêntico de aprender, de desenvolver-nos. Se, porém, consideramos o conhecimento como uma antiguidade, como “sabedoria secular” a ser colecionada, estamos no caminho errado. No que diz respeito à linhagem dos mestres, o conhecimento não se transmite como uma antiguidade. Ao contrário, um mestre vivencia a verdade dos ensinamentos e a transmite como uma inspiração ao seu aluno.
Essa inspiração desperta o aluno, tal como seu mestre foi despertado antes dele. Em seguida, o aluno passa os ensinamentos a um outro estudante, e assim segue o processo. Os ensinamentos estão sempre atualizados. Não são “sabedorias seculares”, uma lenda antiga. Não passam de uma pessoa a outra como informações, não se transmitem como as histórias populares tradicionais que um avô conta a seus netos. Não é assim que as coisas funcionam. Trata-se de uma experiência real. Há um dito nas escrituras tibetanas: “O conhecimento precisa ser aquecido, malhado e batido como o ouro puro. Só depois poderemos usá-lo como um ornamento.”

Portanto, quando você recebe instrução espiritual das mãos de outra pessoa, não a aceite sem espírito crítico, mas a aqueça, malhe e golpeie até que apareça a cor brilhante e nobre de ouro. Então, você faça dela um ornamento, dando-lhe o desenho que desejar, e passe a usá-la. Dessa forma, o dharma se aplica a todas as épocas, a todas as pessoas, possui uma qualidade viva. Não nos basta imitar o mestre ou guru, não estamos tentando nos transformar em uma réplica do nosso instrutor. Os ensinamentos constituem uma experiência pessoal de cada um, até chegar ao detentor atual da doutrina.

Outra metáfora: Os ensinamentos têm a qualidade do pão quente, recém-saído do forno, o pão ainda se conserva quente e fresco. Cada padeiro precisa aplicar os conhecimentos gerais de como fazer pão ao seu próprio amassar e enfornar. A seguir, precisa experimentar pessoalmente o pão fresco, cortá-lo enquanto fresco e comê-lo enquanto quente. Precisa tornar seus os ensinamentos e, depois, praticá-los. Este é um processo muito vivo. Não há engano algum em termos de coletar conhecimentos. Temos de trabalhar com nossas próprias experiências. Quando ficamos confusos, não podemos nos voltar para a nossa coleção de conhecimentos e tentar encontrar alguma confirmação ou consolo: “O mestre e todos os ensinamentos estão do meu lado.” O caminho espiritual não segue por esse rumo. É um caminho solitário, individual.

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