Por Sylvia Pupo*
“Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, diz a última estrofe do samba, sugerindo que devemos ser inabaláveis frente aos tombos que a vida nos dá.
Com admiração, geralmente, são vistas as pessoas que não se abatem ante uma perda, golpe ou obstáculo. São estimuladas a mostrar força e quase ausência de sentimentos.
“Bola pra frente!”. Como sinal de força e maturidade são instigadas a esquecer rapidamente o acontecido e prosseguir.
Há tantos tipos e intensidades de perdas e de lutos a fazer. Há lutos por mortes ou separações, pelas próprias expectativas não atingidas, por um filho que cresceu e nos obrigou a nos re-situar como pais; por formar-se e ter que procurar um emprego, pela perda da infância, pelo envelhecimento…Cada fase da vida é acompanhada de mudanças; mudanças que nos desalojam e podem ser sentidas como perdas, demandando um trabalho interno de luto. O que é sentido como perda para um, pode não afetar um outro da mesma maneira.
Desde pequenas separações, até perdas mais definitivas, os lutos a fazer são diários e seus efeitos e possibilidades de elaboração vão depender, dentre outros fatores, da história afetiva dos sujeitos e da qualidade de seus vínculos primeiros. Muitas, entretanto, são necessárias e estruturantes.
Algumas pessoas acabam criando “soluções maníacas” para lidar com uma situação de perda. Desenvolvem uma excitação que substitui a esperada tristeza. A tal da “volta por cima” pode incluir viagens, festas, gastos, drogas, esportes, comportamentos em excesso que visam ajudar a não pensar ou sentir.
Ao contrário, é necessário “dar a volta por baixo”, poder falar a respeito, sentir, entristecer-se e mergulhar para voltar à tona. Esta é uma etapa fundamental no trabalho de luto, termo sugerido por Freud, em relação ao processo para a elaboração de toda perda. O reconhecimento de uma perda é um passo fundamental para a sua aceitação.
O processo de luto é uma etapa natural e necessária, que quando terminado vai promover um maior nível de integração e amadurecimento da personalidade. Aqueles que puderem contar com acompanhamento psicoterápico podem se beneficiar muito disto, principalmente nestes momentos.
É importante distinguirmos um luto “normal”, esperado, de um luto patológico, de duração prolongada, onde há transformação da tristeza em depressão. A tristeza é um estado natural, dentre outros, que se seguem a uma perda.
Numa sociedade em que a tristeza não pode ser tolerada e deve ser medicalizada há uma demanda de que sejamos sempre felizes e bem sucedidos, o espaço para a fragilidade e para a própria subjetividade é cada vez menor. O ritmo acelerado nos faz também atropelar as emoções e o tempo necessário para cada um finalizar seus processos.
O luto vai na direção oposta. Ele traz consigo uma necessidade temporária de recolhimento, de parada. Promove uma “regressão” como medida de economia psíquica até o momento em que a pessoa em questão possa retomar seu investimento no mundo. É um tempo de convalescença psíquica.
A impossibilidade de uma pessoa vivenciar as fases necessárias de um trabalho de luto, ou mesmo um prolongamento deste período, pode levar a estados cronificados de melancolia, ressentimento e desvitalização.
É importante, que além do trabalho de elaboração individual – com ou sem auxílio de uma psicoterapia – o apoio do grupo social e a utilização de recursos simbólicos e certos rituais presentes na Cultura como um auxílio na elaboração dessas etapas.
*Sylvia Pupo é psicanalista e membro da SBPSP
Bibliografia – Freud, .S. (1817[1915] /1988) “Luto e melancolia in Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago.
“Volta por cima” samba de de Noite Ilustrada
http://aumagic.blogspot.pt/
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