Publicado por Fatima dos Anjos em 15 maio 2015 às 20:36 em CHAMA TRINA
Perdoar não é esquecer
Por certo, já ouvimos alguém dizer: “não posso perdoar porque não posso
esquecer” ou “esquece tudo e passa à frente”.
Esta é uma confusão muito frequente. Se perdoar é esquecer então, perdoamos
o quê? O processo de perdoar exige uma boa memória e uma consciência clara da ofensa, o perdão ajuda a memória a curar-se mas não a esquecer, com o perdão a ferida perde o seu poder destrutivo.
O acontecimento doloroso vai perdendo a sua força negativa e vai-se tornando
menos obsessivo, a ferida vai cicatrizando até que a recordação da ofensa deixa de ser dolorosa. Então a memória está curada.
Quem afirma “perdoo mas não esqueço” demonstra uma boa saúde mental,
porque o perdão não exige amnésia. Mas, se com essa frase estiver a exprimir a sua decisão de não voltar a confiar, isso mostra que o processo do perdão ainda não está concluído.
Perdoar não significa negar
Quando se sofre um duro golpe, uma das reações mais frequentes é resistir ao
sofrimento evitando a dor e as emoções. Este mecanismo defensivo converte-se, com frequência, na negação da ofensa e da dor. Se este mecanismo persistir, a reação pode mesmo tornar-se patológica: provocar um nível de stress mais intenso ou uma frieza gélida que não permite saber o que se passa. Com frequência não se experimenta sequer o desejo de curar a ferida e, me nos ainda, de perdoar.
Para poder curar-se é preciso reconhecer a ferida e sentir a sua dor para depois
perdoar.
Perdoar requer mais do que vontade
Perdoar não é uma fórmula mágica capaz de resolver conflitos sem ter em conta os sentimentos. Este equívoco pode ter origem na educação que recebemos em criança quando nos pediam que perdoássemos como se se tratasse apenas de um ato de vontade e sem respeitar as nossas emoções, como se o perdão fosse apenas um ato de vontade e não o resultado de um longo
processo que supõe pedagogia e sabedoria. O processo é lento e depende: da ferida provocada, das reações do ofensor, dos recursos do ofendido. Para que o processo seja autêntico devem ser mobilizadas todas as faculdades: sensibilidade, cor ação, inteligência, vontade e fé.
Perdoar não pode ser uma obrigação
O perdão ou é livre ou não é perdão. Mas há quem sinta a tentação de obrigar
a perdoar livremente. É muito prejudicial esta pregação à obrigação de perdoar. O perdão é mais do que uma obrigação moral pois carece do seu caráter gratuito e livre. Inclusivamente, não nos damos conta da interpretação errada que fazemos quando rezamos o Pai-Nosso: “Perdoa as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, como se o perdão de Deus estivesse sujeito aos nossos pobres indultos humanos. Esta oração deve ser entendida como S. Paulo ensina:
“Como o Senhor vos perdoou, assim também fazei vós”
(Col 3, 13). Trata-se de uma exortação ao exercício da misericórdia, estando conscientes de que, também nós já fomos perdoados e, porque fomos perdoados, podemos perdoar.
Perdoar não significa sentir-se como antes da ofensa
É um equívoco muito comum crer que perdoar é restaurar a relação tal como
estava. Perdoar não é sinônimo de reconciliação no sentido em que não retoma a relação no ponto em que estava. Por vezes isso pode acontecer mas outras vezes não e isso não significa que não se tenha perdoado.
A este respeito, o autor coloca a seguinte questão:
poderemos recuperar os ovos depois de feita uma omeleta? Na verdade não se pode voltar ao passado, no entanto, o conflito pode servir para se fazer uma
avaliação da qualidade da relação que pode vir a ser recriada sobre novas bases, mais sólidas.
Perdoar não exige renunciar aos nossos direitos
Perdoar não significa que não se condene o agressor , perdoar não é renunciar à justiça. O perdão é um acto de benevolência gratuita e não significa renunciar aos direitos e à aplicação da justiça.
O perdão que não procura a justiça, longe de ser um sinal de força e nobreza,
traduz sobretudo debilidade e falsa tolerância e incita indiretamente à perpetuação do delito.
Perdoar não significa desculpar o ofensor
Perdoar não é retirar ao outro a sua responsabilidade moral. Isso pode
inclusivamente ser uma forma camuflada de minorar a própria dor, dói menos não considerar o outro responsável do que saber que o outro nos magoou
conscientemente.
Inclusivamente compreender as razões do outro não significa desculpá-lo.
Perdoar não é uma demonstração de superioridade moral
Alguns tipos de perdão humilham mais do que libertam pois o perdão pode ser
um gesto subtil de superioridade moral, de arrogância. Perdoo para impressionar. O verdadeiro perdão do coração tem lugar na humildade e abre caminho à reconciliação. O falso perdão permite manter uma relação de dominador-dominado, é um gesto de poder sobre o outro e não um gesto de
força interior.
Perdoar não consiste em transferir a responsabilidade para Deus
“O perdão a Deus pertence” é uma máxima que transfere para Deus a
responsabilidade do perdão, como se tratasse de uma atitude com a qual nós,
seres humanos, nada tivéssemos a ver. O perdão é um ato totalmente humano para o qual Deus não nos substitui, Deus não faz esse trabalho por nós. Outro aspecto completamente diferente é o fato de que, ainda que nós não saibamos ou sejamos capazes de perdoar, tenhamos a certeza de que Ele perdoa sempre, mas isso não obsta a que tenhamos de fazer o esforço de curar o nosso coração com o perdão.
“Se empreender pela via do perdão verdadeiro exige muito valia, evitar ceder aos falsos indultos não é esforço menor”
Os grandes paradoxos do perdão
Fácil mas muitas vezes inacessível.
Disponível, mas frequentemente esquecido.
Libertador para o outro, mas ainda mais para nós próprios.
Tão falado e tão mal compreendido.
Tão humano e, contudo, tão fantasiado.
Vital mas tão temido.
Concedido para a paz da alma e, no entanto, tão ameaçador.
Misterioso mas tão banal.
Tão divino e tão humano”
A SABEDORIA DE PERDOAR E PERDOAR-SE
Emma Martínez Ocaña
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