Outro dia, resolvi me fazer uma visita. Tinha tempo que eu orbitava em mim: sondava o terreno, ensaiava o passo, mas não fugia da calçada do sonho. A paisagem de fora parecia suficiente para me compreender. Uma brecha na porta da frente, de onde incidia um feixe de luz e a ideia completa do que mora dentro. Pensava. Acontece que, para quem ambiciona o alto, a entrada é pela janela. Ali, a consciência acena convidativa. Tomei impulso, cravei na mente a tela preta do silêncio, abri o peito – morada do sentimento – e respirei paz. Entrei. De repente, cada átomo do meu corpo era assim uma estrela vibrante, e quanto mais dentro mais percebia um universo a se expandir – feito aquele que abarca os planetas. O que não sou senão parcela de toda a criação? Microscopicamente em proporção, mas em escala infinita – se pela formação e potencialidade? Há algo de mais sublime do que a unidade da obra divina, que em tudo revela a sua origem, a digital de Deus, de modo a nos reconhecermos seus filhos? Na viagem interior, aciona-se cada parte, ínfima, do corpo físico e o atravessa também alcançando pontos até então intocados, desconhecidos da realidade cotidiana. É tempo de autoconhecimento, de desvelar e de atingir o fio que nos conecta ao Criador. Consciente da sua presença em mim, o desdobramento é uma larga satisfação, vasta paz, descanso e fortaleza. Permanecer neste estado ou voltar a ele sempre que possível é a parte que cabe mais dificultosa. Os atropelos da rotina, os hábitos encrustados, o condicionamento que ditamos a nós, escanteiam as prioridades espirituais. Mas percebi que a frequência da meditação, se não na inteireza que se faz mais “válida”, no simples exercício de sentar e perceber a respiração, torna a prática salutar gradativamente mais natural. Cada célula de que somos feitos é também uma inteligência e a interiorização de um saber específico determina os próximos hábitos. A vida espiritual nos exige treinos e assim como o prazer que se tem ao obter êxito em atividades físicas, a sensação de alegria genuína quando se consegue simplesmente concentrar e perceber a grandeza do Pai é impressionante. Lembrei-me de quando li “Castelo Interior”, da freira carmelita Teresa de Ávila. Ela narra a sua própria empreitada pelos confins da alma em busca do aposento real (local onde Deus habita dentro de nós). Metodologia da viagem: a oração como via de acesso; perseverança para não se estabelecer nos primeiros cômodos, onde as sevandijas – cobras – impõem os valores terrenos, e alçar a gratificante passagem para a morada divina. Na Pérsia do século XIII, Rumi, poeta e místico islâmico entoava cantos e junto aos dervixes girava em torno do próprio eixo (feito os planetas orbitando ao redor do sol, uma dança denominada sama, que promovia o seu encontro o Criador). Tanto tempo para eu perceber que qualquer movimento externo é o resultado de um movimento primeiro, interior. E, de certa forma, tão breve o estalo para a prática da meditação, devoção e contato com o Pai. Já não há mais caminho de volta, a busca, incessante, tem a seta voltada pra dentro, onde sei que ainda flano com a ingenuidade de um aprendiz, infantil, mas sei também que é por ali que devo persistir. Parafraseando Jung: “quem olha pra fora sonha, quem olha pra dentro desperta.”. Shanti! Namastê!
O título do texto é um trecho da linda canção de Gil e Carlos Rennó intitulada “Átimo de pó”. Ouça:https://www.youtube.com/watch?v=apO6w4KATt0
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