A experiência do ser é a experiência do círculo que mantém os dois juntos.
O momento de repouso que fazemos é semelhante à nossa respiração.
O inspirar e o expirar é uma não-dualidade. Se só inspiramos, sufocamos, se só expiramos, morremos.
O sopro contem a inspiração e a expiração e o que é verdadeiro em nossa vida fisiológica é também verdadeiro em nossa vida psicológica.
Tornar-se adulto é passar da idade dos contrários para a idade do complementar, para um outro modo de olhar as coisas. Se alguém diz algo contrário ao que penso e sou capaz de entender esse contrário como complementar, vou crescer em consciência e em compreensão. Se em vez de rejeitar ou negar alguns elementos de minha vida obscura, sou capaz de acolhê-los, torna-me-ei mais inteiro.
A sombra é o que dá relevo à luz.
Quando amamos alguém, um dos sinais de amor verdadeiro é que amamos os seus defeitos. É fácil amar os defeitos de nossos filhos. É difícil amar os
defeitos dos adultos ou de nossos cônjuges.
Esse amor de que falamos não significa complacência, não é dizer ao outro que me agrada o que ele tem de desagradável, pois isso seria mentira e hipocrisia.
O amor de que falamos é dar ao outro o direito de ser diferente. É dar a
ele o direito de experimentar sua liberdade. De experimentar em mim mesmo esta capacidade de amar o que é amável e de amar, também, o que não é amável. Dessa maneira passaremos, de uma vida submissa para uma vida escolhida.
Nossa vida vale pelo olhar que é posto nela. Os olhares de juiz nos enchem de culpa. Há olhares benevolentes, misericordiosos e ao mesmo tempo, justos. Precisamos desses olhares porque todos nós temos necessidade de verdade e de sermos amados. Por vezes, os olhares que encontramos são muito amorosos, muito doces, mas falta a eles a exigência desta verdade.
Outras vezes, os olhares que se colocam sobre nós são plenos de verdade e justiça, mas falta a eles a misericórdia e o amor.
Há um olhar integral do qual temos necessidade a fim de nos vermos tal e qual somos. Porque a verdade sem amor é inquisição e o amor sem verdade é permissividade.
Estas são reflexões gerais e cada um pode entrar em particularidades que
lhes são próprias, sentindo se existe em sua vida alguém que pode suportar sua sombra sem julgá-la, apesar de não se mostrar complacente com ela.
Creio que todos nós temos a necessidade, pelo menos uma vez em nossas vidas, de um tal olhar pousado sobre nós.
Nesse momento não teremos mais necessidade de mentir, de nos iludirmos, de usarmos máscaras.
Podemos mostrar nossa verdadeira face, nosso verdadeiro corpo, com seus desejos e seus medos.
Podemos mostrar nossa verdadeira inteligência com seus conhecimentos e suas ignorâncias.
Mostrar-se com o coração verdadeiro, capaz de muita ternura e também capaz de dureza e indiferença. Mostrar-se como não-perfeito, mas aperfeiçoável.
Sob este olhar nossa vida pode crescer. Porque o olhar que nos julga e nos
aprisiona em uma imagem faz-nos ficar parados, enquanto que o outro olhar nos impulsiona a dar um passo adiante desta imagem que os outros têm
de nós."
Jean Yves Leloupem Além da Luz e da Sombra
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