Estamos vivendo um crescente paradoxo: a
vida moderna, com seus meios de comunicação cada vez mais velozes, vem
nos requisitando ter mais e mais paciência.
Se pensamos estar ganhando tempo ao aplicar
a tecnologia moderna ao nosso cotidiano, é melhor reconhecermos que
desta forma temos perdido a habilidade de lidar com nosso tempo interno:
estamos cada vez mais impacientes.
Queremos que nosso mundo interno, nossas emoções, sentimentos e percepções, fluam com a mesma velocidade máxima da internet...
Como não toleramos esperar o tempo natural
do amadurecimento de nossas emoções, sofremos a dor da impaciência:
semelhante a uma queimadura interna, ardemos de ansiedade!
Intuitivamente, sabemos que algo não vai
bem, mas como temos a urgência de nos livrarmos da pressa interna cada
vez mais estimulada pela aceleração dos acontecimentos, não temos mais
tempo para sentir, compreender e transformar nossas emoções.
Sofremos um grande paradoxo: cada vez que
produzimos mais no mundo externo, criamos menos no mundo interno.
Podemos estar ganhando mais tempo e espaço à nossa volta, mas temos de
admitir que estamos perdendo a habilidade de lidar com nosso tempo e
espaço internos.
Paradoxo é uma contradição, algo que ocorre
ao contrário do esperado. Todos nós, com a inocente esperança de viver
melhor, assumimos mais compromissos do que podemos e depois nos
surpreendemos com problemas mais sérios e inesperados do que
imaginávamos enfrentar.
Quando as coisas não funcionam de acordo
com as nossas expectativas, temos cada vez menos paciência, nos tornamos
mais rígidos e cansados.
Por que continuamos nesta roda viva se já temos consciência de suas conseqüências?
Acredito que parte de nossa confusão interna está no fato de que compreendemos erroneamente a virtude da paciência.
Por ignorância, insistimos num esforço
insensato. Por exemplo, quem já não confundiu a experiência de achar que
estava tendo paciência quando na realidade estava engolindo sapos?
Enquanto confundirmos autocontrole com a
capacidade de reprimir nossos sentimentos, no lugar de conhecê-los,
estaremos correndo o risco de tolerar o que não é para ser tolerado!
Em certas situações adversas, podemos
pensar que estamos tendo paciência, quando, na verdade, estamos apenas
nos sobrecarregando.
Suportamos o sofrimento externo às custas de muito sofrimento interno.
Ser paciente não significa sobrecarregar-se
de sofrimento interno, nem estar vulnerável ou ser permissivo com
relação às condições externas.
Ter paciência não é ser uma vítima passiva
da desorganização alheia. Não é útil, por exemplo, ter paciência em uma
situação em que se esteja sendo explorado.
Segundo a psicologia do budismo tibetano,
ter paciência é a força interior de não se deixar levar pela
negatividade. Ter paciência é escolher manter a clareza emocional quando
o outro já a perdeu. Neste sentido, ter paciência é decidir manter sua
mente limpa, livre da contaminação da raiva e do apego.
No entanto, não basta termos uma intenção
clara quanto a nossas escolhas, é preciso desenvolver a força interior
para sustentá-las.
Neste sentido, não basta compreender
racionalmente o que é ter paciência, é preciso cultivá-la interiormente.
Temos de admitir que o tempo de que precisamos para amadurecer uma
compreensão emocional é muito maior do que aquele de que necessitamos
para sua compreensão racional.
Segundo o budismo tibetano, há três tipos de paciência:
1.
Não se aborrecer com os prejuízos infligidos pelas outras pessoas, isto
é, não nos abalarmos quando somos intencionalmente provocados e
feridos.
2. Aceitar voluntariamente o sofrimento
para si: se alguém demonstra ter raiva de você, você não deve responder
com raiva; ou, se alguém o machuca ou insulta, você não deve revidar,
mas sim compreender que a outra pessoa não teve controle sobre suas
emoções.
3. Ser capaz de suportar os sofrimentos próprios do desenvolvimento espiritual.
Inicialmente, poderíamos avaliar estes
tipos de paciência como um estado de covardia ou de submissão
aparentemente masoquista. Se, ao não reagirmos diante de uma provocação,
estivermos apenas tentando conter nossa raiva e não buscando
transformá-la, acabaremos por implodir e nos tornaremos rancorosos.
Enquanto o autocontrole excessivo nega
nossas necessidades internas, o autocontrole saudável não reprime os
sentimentos: lida diretamente com eles.
Lama Gangchen notou que para nós,
ocidentais, a palavra paciência está contaminada por um sentimento de
suportar uma dificuldade, ao invés de estar associada à intenção de nos
libertarmos dela.
Então, ele sugere que troquemos a palavra
paciência por espaço. Na próxima vez que você pensar: “Preciso de
paciência com fulano”, diga para si mesmo: “Preciso criar espaço entre
mim e fulano”. Não se trata de se distanciar de alguém, como numa fuga,
mas sim de recuperar sua autonomia emocional.
Autocontrole advém do autoconhecimento. Uma
vez que soubermos reconhecer nossos limites, seremos capazes de não
perder o controle simplesmente por respeitá-los.
Saberemos o momento certo de parar quando
não temermos mais nos sentir impotentes diante dos fatos, pois, ao
reconhecer nossos limites, aprendemos que “dar murro em ponta de faca”
irá nos ferir ainda mais.
Isto não quer dizer que iremos nos tornar
covardes. Ao contrário, por meio da paciência, conseguimos desenvolver
uma auto-imagem capaz de confiar na capacidade de seguir em frente de
forma segura e contínua, sem precisar lutar contra o mundo.
A possibilidade de cultivar a paciência advém da força de ir além da negatividade, ao invés de interagir com ela.
Para saber se estamos praticando
verdadeiramente a paciência, podemos observar o quanto nossas palavras e
comportamentos têm ferido os outros.
Do mesmo modo, estaremos nos machucando
menos se respeitarmos a necessidade natural de ter tempo e espaço para
estar com nossas emoções, sejam elas positivas ou negativas.
Bel Cesar
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