Publicado por M. Manuela dos Santos Oliveira em 27 abril 2014 às 13:39 em BUDISMO
OS OLHOS DA MENTE - NYOSHUL KHEN RINPOCHE
Buda disse que estamos sujeitos ao sofrimento, ao desequilíbrio. Ele proclamou a universalidade do sofrimento, do desequilíbrio. Não importa quem somos – saudável ou fraco, jovem ou velho, bonito ou feio -, todos nós estamos sujeitos ao sofrimento. É claro que gostaríamos de transcender as nossas dificuldades; gostaríamos de resolver os nossos problemas. Mas, de que maneira? Muitas vezes não sabemos como fazer isso. Por esse motivo, a iluminação é tão importante – mais que importante, ela é uma necessidade da vida.
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A iluminação é um novo ponto de vista em nossa vida e no mundo, é a descoberta de um novo ângulo para vermos as coisas. O Dr. Suzuki disse que a iluminação ou o satori, é a abertura dos olhos da mente. Nossa mente, nem fatigada nem cristalizada, irá florescer, por causa das belas coisas que existem em seu interior, pleno de maravilhas, inspiração e contentamento. O satori é a remoção da barreira. Algo nos aborrece, algo nos detém; existe uma barreira em nossa mente.
O satori é a retirada desta barreira, a fim de podermos nos tornar livres. O satori é o clarear do trabalho da mente.Na neurose, existe algo na mente do indivíduo que ele não consegue transpor; ele é incapaz de resolver seus problemas; é incapaz de controlar a própria mente. A mente neurótica é totalmente encoberta e tensa. Talvez haja mais de uma barreira obstruindo sua livre atividade. Nossa essência interior deseja ser livre e é capaz de ser livre, mas alguns fatores externos impedem a liberdade da nossa mente. Alcançar o satori, ou iluminar-se, é ser livre da escravidão externa.
O satori, ou iluminação, é uma coisa muito dinâmica, não a simples quietude. O satori proporciona à pessoa um ponto de mutação em suas atividades mentais. O Dr. Suzuki disse que o satori é o giro das dobradiças mentais. Esse giro das dobradiças mentais abre a porta para outros mundos.Buda proclamou que todos nós temos uma natureza de Buda, uma natureza búdica; não só no ser humano, como também em todos os seres e em todas as coisas, existe uma natureza búdica. Todos nós somos livres, nada nos detém se despertamos para essa essência verdadeira do homem, a verdadeira natureza humana. Para esta finalidade, Buda ensina a meditação, a contemplação ou a pacificação mental, no sentido comum. Na meditação ou contemplação budista, a pessoa se aquieta a fim de ser capaz de ver as coisas como elas são.
Nossa mente, nossas atividades mentais geralmente se baseiam em conceitos dualísticos: eu e ele; eu e o mundo; verdadeiro e falso. Este nosso mundo é cheio de contradições, e essas contradições não podem ser resolvidas. Quando as contradições não podem ser resolvidas, a pessoa se torna frustrada, histérica, neurótica e pode até acabar tendo um colapso nervoso. Mas, no satori, as contradições se tornam não-contradições.
As contradições, enquanto tais, não podem ser resolvidas. Por exemplo, leste é leste, oeste é oeste. O leste não pode ser simultaneamente oeste. Mas, na iluminação, o leste pode ser ao mesmo tempo oeste. Você e eu somos diferentes, mas, ao mesmo tempo, somos um. No budismo, na essência da iluminação, duas coisas diferentes são uma só. Dois seres são diferentes e idênticos ao mesmo tempo.
Uma antiga história zen.
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No pátio de um velho templo zen, perto do portão principal, havia um velho pinheiro já vergado pelos anos. O mestre do templo colocou ali um aviso, “Se alguém conseguir ver este pinheiro na posição correta, eu lhe darei meu templo”. A árvore já estava tão encurvada pelos anos que as pessoas ao ler o aviso, comentaram, “Que interessante! Mas como alguém poderia ver este pinheiro na posição correta? É impossível”.
Você sabe que temos uma linha reta e uma linha curva como duas linhas diferentes; para nós, a árvore reta e a árvore torta são duas coisas bem diferentes. Somos incapazes de ver a árvore torta como uma árvore reta. Este é o problema. E assim, o mestre zen disse que daria seu templo a quem conseguisse ver aquela árvore torta como uma árvore na posição correta.
Todos tentaram resolver o problema, mas ninguém foi capaz de dar ao mestre uma resposta satisfatória. Finalmente, o mestre explicou que ver aquela árvore torta em sua posição correta era ver aquela árvore torta como uma árvore torta.
Isto é muito importante. Ver a árvore torta como uma árvore torta é ver a árvore na sua posição correta. Aceitá-la tal como ela é; este é o modo correto. Você não pode forçar aquela árvore a ser reta; ela se racharia.
É o mesmo que encontrar um homem insano na rua e ele cuspir em você. Não sabendo que ele é insano, você fica com raiva; sente-se confuso, insultado. Logo depois, fica sabendo que ele é insano. Agora que você o vê como ele é, não se sente mais confuso e magoado. Se você tivesse compreendido que aquele homem era insano, não teria se sentido insultado pelo que ele fez. Não lhe teria prestado atenção e não se enraiveceria. Você tem de ver uma pessoa tal como ela é.
Isso acontece entre marido e mulher. Um espera certas coisas, certas atitudes, do outro; mas o outro age a seu próprio modo e não de acordo com essas expectativas. Assim, o primeiro fica aborrecido e furioso. E, do mesmo modo, ao lidar com as crianças, devemos compreendê-las como elas são. Queremos ver as coisas ao nosso modo; essa é a dificuldade. Se vemos as coisas como elas são, muitos dos nossos problemas podem ser resolvidos sem ficarmos furiosos ou magoados. É como ver aquele pinheiro torto no pátio do templo do jeito que ele é.
Buda ensinou-nos a ver a verdadeira natureza de nós mesmos, assim como de todas as outras coisas. Mas freqüentemente vivemos de acordo com regras externas, forças externas ou modismos externos. Examine uma parte qualquer da sua própria vida: Quanto dela você está vivendo conforme sua própria vida interior? Quanto dela você é forçado a viver por alguma coisa exterior?
Quando você se entrega por completo e vive de acordo com as forças externas, não há problema algum. Mas, quando você encontra contradições – quando existe alguma coisa que você quer fazer a partir do seu interior e as forças externas impedem este impulso interior, então você tem um conflito; você tem um problema. Todas as neuroses se resumem a este conflito: algo seu querendo se revelar e algo detendo esta revelação. A iluminação desfaz esse nó; é a iluminação da totalidade da sua própria vida.
Todos nós experimentamos a iluminação parcial. Por exemplo, estamos pensando e repensando um problema de matemática e, então, de súbito, eureca! Encontramos o modo de resolvê-lo. É como um lampejo de luz. Surge a claridade. Temos um novo ponto de vista para resolver o problema. Essa é uma espécie de iluminação. Em muitas coisas, em todas as descobertas científicas, existe uma espécie de iluminação. Mas essa iluminação é parcial, e todos nós temos esse tipo de experiência. Seja física, mental ou espiritual, todos nós temos, de maneiras diversas, essas experiências iluminadoras.
A iluminação budista não se ocupa com alguma coisa em particular, mas sim com a fonte fundamental da vida; a vida como um todo é iluminada, e a perspectiva da vida é alterada. Um novo mundo se abre para a pessoa.
A história do Sr. Tagara.
Como se diz, aprendemos do jeito mais difícil. Por exemplo, quando eu morava em Oakland, Califórnia, tinha um amigo, o Sr. Tagara, que era um homem muito capaz, uma pessoa muito instruída, um líder da comunidade. Ele era um poeta, um poeta de primeira grandeza, capaz de compor belos haiku e waka. Era também um orador competente e toda a comunidade buscava sua liderança e o admirava. Ele e a mulher tinham três filhos, seus negócios iam muito bem e compraram uma casa em Berkeley.
Todos achavam que a Sra. Tagara devia ser a mais feliz das mulheres por ter um marido tão bom e capaz. Mas a Sra. Tagara não era feliz. Vivia adoentada e era um tanto neurótica. Por que ela não era feliz? O Sr. Tagara era um homem muito capaz. Não só muito inteligente e líder da comunidade, como também um excelente cozinheiro. Se a mulher sabia uma coisa, ele sabia duas ou três! Mesmo se fosse a mais inteligente das esposas, como poderia equiparar-se a um marido daqueles? Ela se esforçara ao máximo para fazê-lo feliz, mas ele nunca se deu por satisfeito. “Como você é desajeitada; podia caprichar mais!”, dizia ele. E assim, ao longo de todo o casamento, a mulher sofreu sentimentos de inferioridade.
Num verão, o Sr. Tagara teve a infelicidade de começar a sofrer da vista. Durante todo o verão, foi ao médico, mas sua vista enfraquecia cada vez mais. No outono, perdeu a visão. Ficou cego. Você bem pode imaginar a mudança que isso significou para um homem como ele. Sempre fora tão capaz em todos os sentidos e agora sequer podia ler o jornal, sair para uma caminhada ou até ir ao banheiro sem ter de pedir ajuda à mulher ou à filha. O Sr. Tagara nunca antes curvara a cabeça. Agora, tinha de rogar, de pedir ajuda aos outros.
Sendo um homem tão capaz, o Sr. Tagara nunca tivera bons amigos. Ele sentia que todos os seus amigos eram inferiores e não conseguia apreciar sua amizade. Tivera um amigo íntimo, chamado Yamada, que costumava visitá-lo com freqüência. Mas o Sr. Tagara sempre dissera, “Ah, aí vem o Yamada de novo, com sua conversa chata. Eu gostaria que ele não aparecesse, porque tenho muitos livros para ler”. Ele nunca apreciara as visitas de Yamada porque Yamada não conversava no mesmo nível que ele. O Sr. Tagara preferia ler livros em vez de perder tempo com amigos medíocres.
Porém, quando ficou cego, não podia mais ler livros. E quando ouvia passos na varanda: “Ah, é o Yamada! Que bom que ele veio”. E antes mesmo que Yamada pudesse bater à porta, o Sr. Tagara gritava, “Yamada, é você?”. “Sim”, respondia Yamada. “Que bom que você veio. O que está acontecendo pelo mundo?”, exclamava o Sr. Tagara.
Yamada não tinha mudado, mas o Sr. Tagara sim. Uma mudança de 180 graus.
Um dia o Sr. Tagara chamou a esposa, Yoshiko-san.
— Yoshiko, venha cá.
Yoshiko-san pensou que ia ouvir mais uma censura e hesitou.
— Você quer alguma coisa? – perguntou ela.
— Sente aqui – disse o marido. Ela sentou. – Sente mais perto. Sente perto de mim.
Yoshiko-san não compreendia porque o marido a queria sentada junto dele. O Sr. Tagara pegou a mão de Yoshiko-san e de repente seus olhos se encheram de lágrimas.
— Yoshiko – disse ele – percebo pela primeira vez na vida o que você vem sofrendo todos esses anos. Estamos casados há quase vinte anos. Como eu era teimoso! Como eu tinha um complexo de superioridade! Todos esses anos que você passou doente foram causados pela minha teimosia. Pela primeira vez compreendo sua verdadeira bondade, os muitos serviços que você fez por mim e que eu nunca apreciei.
Os dois se abraçaram e choraram, um choro de alegria. Foi a primeira vez que compreenderam um ao outro.
A partir desse dia, uma nova vida chegou àquela casa. A saúde dela começou a melhorar e ele tornou-se bastante humilde, embora não tenha perdido sua dignidade e seus atributos superiores. Os amigos, ao encontrá-lo na rua, diziam:
— Tagara-san, sinto muito que você tenha perdido a vista.
E ele respondia:
— Ah! Não lamente por isso. Você deveria me cumprimentar por ter perdido a visão.
Diante do espanto dos amigos, ele explicava:
— Eu perdi os olhos físicos, mas encontrei os olhos da mente. Agora sou capaz de compreender o que é o amor. Pela primeira vez vejo o que é a amizade, o que é a compaixão. Sabe, um sujeito teimoso como eu é incapaz de descobrir este novo mundo a menos que seus olhos sejam aniquilados. Eu gostaria que você me cumprimentasse por ter perdido a visão, mas encontrado os olhos da mente.
O Sr. Tagara era agora um homem totalmente mudado. Ele estava iluminado. Iluminou-se para um mundo inteiramente novo. Ele transcendeu seu mesquinho individualismo e foi capaz de ver e unir-se a um mundo mais amplo e à unidade da vida. Encontrou-se em um mundo de amor, em um mundo de amizade. Esse tipo de experiência é chamado de iluminação.
A iluminação de Buda foi completa em todos os aspectos. Mas nós também somos capazes de compreender, experimentar e estender nosso novo ponto de vista. A iluminação não foi exclusiva de Buda Gautama; também você, a nível individual, precisa encontrar essa nova perspectiva de vida, esse novo ponto de vista em sua vida e em todas as coisas. Isso é o satori. E o satori deve ser seu; ele pode ser seu. Ninguém poderá dá-lo a você. Você precisa encontrá-lo por si mesmo.
Sim, é difícil, mas ele é seu, ele está aí. Mas, na verdade, você não procura o satori, porque você já está nele. Você está na iluminação; simplesmente abra sua mente e nela encontrará uma nova luz, uma nova perspectiva.
Trecho extraído do livro ”Budismo Essencial – A arte de viver o dia a dia”
Mente Estreita, Mente Aberta.
A diferença entre as mentes impura e pura, entre a mente iludida e a mente iluminada, é basicamente a diferença entre estreiteza e abertura.
Em nosso atual estado iludido, nossa mente é extremamente estreita. Por exemplo, vivemos sozinhos e raramente — se é que isso sequer acontece — consideramos a infinidade de seres sencientes. Quanto mais constrita e estreita for a mente, mais ela pensa só em si, ignorando completamente o bem-estar, felicidade e sofrimento dos outros.
Proporcionalmente, o Buda iluminado é alguém que considera a infinidade de seres sencientes, em vez de estar preocupado apenas com seu próprio ego e individualidade.
Assim, o caminho inteiro — desde um ser comum até o estado búdico — é uma abertura gradual da mente. Isso é exatamente o que chamamos de “djang tchub” ou “sem kye”: literalmente, crescer e desenvolver essa atitude iluminada. O conceito de “crescer” é usado aqui para ilustrar a travessia a partir de uma atitude completamente estreita, focada mais em si mesmo, para um coração aberto e amável, cujo foco instintivamente cobre toda a infinidade dos seres sencientes.
Por Nyoshul Khen Rinpoche
Fonte:http://www.budavirtual.com.br/os-olhos-da-mente/
http://aumagic.blogspot.pt/2014/04/os-olhos-da-mente-nyoshul-khen-r...
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