Uma introdução deste capítulo, que contém também o resumo dos capítulos anteriores, é dada pelo Sábio:
Onde o ego não surge, ali somos Aquilo. Mas, como pode essa perfeita ausência do ego ser alcançada, se a mente não imergir em sua Fonte? E se o ego não se extinguir, como poderemos alcançar o Estado Natural, no qual somos Aquilo?
A Fonte da qual a mente surge, acima indicada, é o Coração, que como vimos anteriormente, deve ser experimentalmente considerado como a Própria Morada do Ser. Certamente, a Verdade absoluta é que o Ser é em si mesmo o Coração verdadeiro. Aqui o Sábio se refere ao “Estado sem ego” como sendo o nosso Estado Natural, por que nele somos o que realmente somos, isto é, a Pura Consciência.
De certa forma os métodos para a Libertação preconizados pelas diversas religiões são todos corretos. Mas o método direto é o ensinado pelo Sábio. Os outros métodos apenas preparam a mente para o método adequado. Nada mais podem fazer. O Sábio explicou-o assim: “O ego não pode ser subjugado por alguém que o considera real. É como a nossa própria sombra. Imaginemos um homem que desconhece a verdade sobre sua sombra. Ele vê que ela o segue persistentemente e deseja livrar-se dela. Tenta fugir dela, mas a sombra continua a segui-lo. Cava um poço profundo e tenta enterrá-la, soterrando o poço; mas a sombra vem à superfície e continua a segui-lo. Ele só consegue livrar-se dela desviando o olhar e passando a contemplar a si mesmo, a fonte da sombra. Então a sombra não mais o perturbará. Os buscadores da Libertação são idênticos ao homem desta parábola. Não conseguem ver que o ego não passa de uma sombra do Ser. O que têm de fazer é evitar o ego e se voltar-se para o Ser, do qual o ego é apenas a sombra.”
A primeira coisa a fazer, antes de iniciar a Busca, é analisar a sensação do ego e separar sua parte real da irreal. Já vimos que o ego tem um elemento de realidade em sua estrutura, isto é, a luz da Consciência, manifesta como “EU SOU”. Este “eu sou”, sabemos, é real, porque é a parte constante e imutável. Precisamos rejeitar a parte irreal, os revestimentos ou corpos, e ficar com o restante, o puro “eu sou”. Este “eu sou” é uma pista para a descoberta do Ser Real. Perseverando nesta pista, diz-nos o Sábio, podemos certamente achar o Ser. Certa vez Sri Ramana comparou o buscador do Ser a um cão que procura o seu dono, do qual se separou. O cão tem algo que o guia, isto é, o cheiro do dono. Seguindo esse cheiro, abandonando tudo o mais, ele por fim encontra o seu dono. O “EU SOU”, no ego, é como o cheiro do dono para o cão. É a única pista que o buscador tem para encontrar o Ser. Mas é uma pista infalível. O praticante deve manter-se focado nesta pista e fixar nela a sua mente, com a exclusão de tudo o mais. Ela com certeza conduzirá sua mente ao Ser, a fonte do “eu sou”.
A Busca do Eu Real consiste na reunião de todas as energias do corpo e da mente, rejeitando todos os pensamentos externos, e dirigindo-as todas para uma corrente única, ou seja, para achar a resposta à pergunta “Quem sou eu?”. A pergunta também pode ter a forma “De onde eu sou?”. “Quem sou eu?” Significa “Qual é a Verdade de mim mesmo?”; “De onde eu sou?” significa “Qual é a Fonte, no ego, do sentimento de ser?”. Nessa Busca a “Fonte” deve ser compreendida não como um ancestral remoto ou antepassado dentro da evolução, nem como um ser existente antes do nascimento do corpo, mas sim como uma Fonte presente.
Essa Busca é o único método seguro para romper o círculo vicioso dos três estados, pois não somente aquieta a mente pensante, mas evita que ela adormeça e perca a consciência, e por isto tem sido denominada “sono-desperto”. Esse ciclo vicioso não pode ser ultrapassado nem na vigília normal – quando a mente vagueia de pensamento a pensamento – nem no sono, quando a consciência básica “EU SOU” está imersa. Mas por um breve instante, quando a mente passa da instabilidade do estado de vigília para a grande quietude do sono, a consciência atinge sua pureza, permanecendo como o “EU SOU” sem forma. Por força da determinação nesta Busca a consciência se reduz a esse estado sem forma e é nele firmemente mantida, e por isto o círculo vicioso é rompido e o “Estado sem ego” é conseguido.
O Sábio descreve o método da Busca da seguinte forma: “Assim como alguém mergulha num lago para procurar algo que tenha nele caído, assim deve o buscador mergulhar no Coração, determinado a descobrir de onde surge a sensação de ego, refreando a fala e o ar vital”. Isso revela o aspecto devocional da Busca. Como o mergulhador dedica-se ao seu propósito – a recuperação do objeto perdido – prendendo a respiração e mergulhando com todo seu peso, assim também deve o buscador devotar-se à descoberta do Ser – a Fonte do “EU SOU” no ego – por meio da reunião de todas as energias vitais e mentais e seu direcionamento ao Coração. A determinação de encontrar o Ser é o elemento dinâmico na Busca, sem o qual não pode haver mergulho no Coração. A pergunta “Quem sou eu?”, ou “De onde eu sou?”, implica essa decisão. Para quem mergulha dessa forma, diz o Sábio, o êxito está garantido, porquanto uma força misteriosa surge de dentro, tomando posse de sua mente e levando-a diretamente ao Coração. Se o buscador for puro de pensamentos e isento de apego egoístico, entregar-se-á sem reservas a essa força, e obterá a maior de todas as recompensas; pois o homem alcança aquilo a que se devota, e não há nada superior ao Ser Real. Aquele que não possui esta perfeita devoção precisará praticar a Busca repetidas vezes até que a mente se torne pura e forte, ou realizar qualquer espécie de meditação ou devoção a Deus.
Como acontece na meditação de qualquer espécie, também na Busca, pensamentos surpreendentemente variados podem surgir e distrair a mente, e uma sensação de derrota e desalento pode ser sentida. O Sábio nos diz que esses pensamentos surgem apenas para serem subjugados, e por isso não há necessidade de que o buscador do Ser fique desanimado e sinta que fracassou. Se parecer que as possibilidades de êxito são remotas, que o êxito só viria após uma longa demora, o buscador deve enfrentar tal pensamento lembrando-se que o próprio tempo não é real e que o Ser não está dentro do tempo. Num livro antiquíssimo afirma-se que o buscador do Eu Real deve ter tanta perseverança e paciência como seriam necessárias para secar o oceano, removendo a água gota a gota. Em outro livro há uma parábola de um casal de pássaros cujos ovos foram levados pelo mar. Eles decidiram recuperá-los, e, ao mesmo tempo, punir o mar, secando-o; para isso mergulhavam repetidas vezes nas águas e derramavam na areia as gotas aderentes. Diz a fábula que, finalmente, os deuses intervieram e os ovos foram restituídos.
O Sábio nos lembra que cada pensamento estranho que surge na Busca e é dominado aumenta a força da mente; assim o buscador dá mais um passo na direção do objetivo.
Quando o buscador persistiu suficientemente na Busca, e o poder que vem de dentro já surgiu e se apossou da mente, o Coração é rapidamente atingido; isto é, a mente se reduz ao estado de pura Consciência e começa a brilhar firmemente em sua forma pura: o “Eu” sem forma. Sri Ramana chama essa Consciência sem forma de “Eu Sou Eu”, para distingui-la do sentimento de ego, que tem a forma de “Eu sou este (corpo)”. Isso implica a cessação da forma do ego; o ego finito é engolido pelo Ser infinito. Com a extinção do ego finito, todas as imperfeições e limitações que perturbam a vida cessam de existir; o desejo e o medo terminam, assim como o pecado e o sentimento de responsabilidade. O Eu Real nunca esteve sujeito a essas coisas. Elas pertenciam ao ego e não sobrevivem à sua extinção. No Estado sem ego o Ser subsiste em Sua própria glória. O Sábio que assim encontrou o Ser, tendo deixado de lado o ego, não é mais um indivíduo, embora possa parecer tal aos discípulos imaturos e ao resto do mundo.
Muitas vezes a pergunta foi posta ao Sábio se é necessário ou não renunciar ao lar e aos laços familiares e tornar-se um asceta mendicante. O Sábio dizia que se alguém estiver destinado a tornar-se um asceta essa pergunta jamais lhe ocorrerá, mas que, via de regra, não é necessário. Certa ocasião, houve um breve diálogo. Um visitante perguntou: “Devo sair de casa ou ficar lá?” O Sábio replicou: “Você está dentro de casa ou a casa dentro de você? Você deve ficar Onde está neste instante. Você não pode afastar-se Daí.” “Então devo permanecer em casa.”, perguntou o visitante. “Eu não disse isso. Ouça: você deve ficar firmemente no Lugar que é naturalmente seu, sempre”. O interlocutor formulou a pergunta supondo que estava em casa, mas a verdade é que o mundo inteiro estava dentro dele enquanto Ser. Dessa forma, o Sábio lhe disse que permanecesse no Ser, isto é, que deixasse de pensar que o mundo é real. Em outra ocasião, o Sábio disse: “Um homem do mundo que não pensa Eu sou um homem do mundo é um verdadeiro asceta, ao passo que um asceta que pensa Eu sou um asceta não o é. O Ser nem é um asceta nem um homem do mundo.”
Quando o Eu Real é procurado e encontrado, saber-se-á que esse Ser nunca foi limitado, que é sempre perfeito. O buscador do Ser começa com esse conhecimento. Quando pela Busca o ego desaparecer, ver-se-á que nem estes quatro defeitos, nem os quatro corretivos para eles, têm qualquer lugar no Estado sem ego, que é o único real. O Sábio certa vez disse a este autor que a Busca é a Grande Yoga – Maha Yoga – e a razão é que, conforme mostramos aqui, todas as Yogas estão incluídas na Busca.
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