Nós, seres humanos, nos ocupamos com a busca da felicidade e a cessação do sofrimento mais do que com qualquer outra atividade, profissão ou lazer, empregando inúmeros métodos e objetos. É para isso que temos elevadores, laptops, pilhas recarregáveis, lava-louças, torradeiras reguláveis, cortadores à pilha para os pelos do nariz, privadas com assento aquecido, novocaína, telefones celulares, Viagra, carpetes e forrações… Mas, inevitavelmente, tais confortos trazem uma dose correspondente de dores de cabeça.
As nações buscam a felicidade e a cessação do sofrimento em grande escala, lutando por território, petróleo, espaço, mercados financeiros e poder. Travam guerras preventivas para afastar a expectativa de sofrimento. Cada um de nós faz a mesma coisa ao utilizar a medicina preventiva, tomar vitaminas e vacinas, fazer exames de sangue e tomografia computadorizada do corpo todo. Estamos procurando sinais de sofrimento iminente. E, uma vez encontrado o sofrimento, imediatamente tentamos encontrar a cura. Ano após ano, novas técnicas, livros de auto-ajuda procuram fornecer soluções duradouras para o sofrimento, de preferência atacando o problema pela raiz.
Sidarta Gautama também estava tentando eliminar o sofrimento pela raiz, mas não estava idealizando soluções tais como iniciar uma revolução política, migrar para outro planeta ou criar uma nova ordem econômica mundial. Ele não estava sequer pensando em criar uma religião ou um código de conduta que propiciassem paz e harmonia. Sidarta explorou o sofrimento com a mente aberta e, por meio de incansável contemplação, descobriu que, no fundo, são as nossas emoções que provocam o sofrimento. De um jeito ou de outro, direta ou indiretamente, todas as emoções nascem do egoísmo, no sentido de que implicam em apego ao eu. Além disso, ele descobriu que, por mais reais que pareçam, as emoções não constituem uma parte intrínseca do nosso ser. Elas não são inatas, nem tampouco alguma espécie de maldição ou implante imposto por alguém.
As emoções surgem quando determinadas causas e condições se reúnem, como, por exemplo, quando você se precipita em pensar que alguém está a criticá-lo, ignorá-lo ou privá-lo de algum ganho. Então, as emoções correspondentes vêm à tona. No momento em que aceitamos essas emoções, no momento em que entramos no jogo delas, perdemos a sanidade e a capacidade de percepção. Ficamos como que ligados a uma tomada de 220 volts. Assim, Sidarta encontrou a solução: consciência desperta. Se você realmente deseja eliminar o sofrimento, precisa acordar a consciência e prestar atenção às suas emoções, aprendendo a não ser envolvido pela tensão elevada e agitação que elas criam.
Se você examinar as emoções como Sidarta fez, se tentar identificar a origem delas, vai descobrir que as emoções partem de uma compreensão equivocada, sendo, por conseguinte, fundamentalmente falhas. Todas as emoções são, basicamente, uma forma de preconceito. Em cada emoção há sempre um componente de julgamento. Por exemplo, uma tocha sendo girada a uma determinada velocidade aparenta ser um círculo de fogo. No circo, as crianças inocentes e até alguns adultos acham o espetáculo divertido e cativante. As crianças pequenas não diferenciam a mão, o fogo e a tocha. Acreditam que o que vêem seja real; são arrebatadas pela ilusão de ótica criada pelo aro de fogo. Enquanto dura aquela visão, mesmo que seja por apenas um instante, elas ficam plena e profundamente convencidas. De modo similar, somos enganados pela aparência do nosso corpo. Quando olhamos para o corpo, não pensamos em termos de componentes isolados: moléculas, genes, veias e sangue. Pensamos no corpo como um todo e, sobretudo, prejulgamos que ele seja um organismo verdadeiramente existente chamado “corpo”. Convencidos disso, primeiro desejamos ter um abdômen bem desenhado, mãos artísticas, estatura imponente, belas feições ou uma forma curvilínea. Depois, ficamos obcecados e investimos em mensalidades de academias, cremes hidratantes, na Dieta de South Beach, chás de emagrecimento, ioga, exercícios abdominais e óleos aromáticos.
Exatamente como crianças que ficam absortas, empolgadas ou mesmo amedrontadas pelo aro de fogo, sentimos emoções que são provocadas pela aparência e pelo bem-estar do nosso corpo. Quando se trata do aro de fogo, em geral os adultos sabem que aquilo é uma mera ilusão e não se perturbam. Um raciocínio elementar nos diz que o aro é criado a partir da reunião de seus componentes: o movimento circular de uma mão que segura uma tocha acesa. Um irmão mais velho e esperto pode assumir um ar arrogante ou condescendente com o mais novo. No entanto, por conseguirmos ver o aro como adultos amadurecidos, podemos compreender o fascínio da criança, especialmente se for noite e o espetáculo vier acompanhado de bailarinos, música hipnótica e outras atrações. Então, aquilo pode ser divertido até mesmo para nós, adultos, que conhecemos a qualidade essencialmente ilusória do espetáculo. Segundo Sidarta, essa compreensão é a semente da compaixão.
O vajrayana nos diz para, sempre que uma emoção como o desejo surgir, apenas observar e não fazer nada, “não fabricar”. Mas essa é uma instrução facilmente mal compreendida. Quando a emoção surge, “não fabricar” significa simplesmente parar de fazer qualquer coisa.
O que isso não significa é que, se você está caminhando na rua, deve parar, achar um banco, sentar de pernas cruzadas e tentar “observar” a emoção. O ponto aqui é que, tendo notado a emoção, a maioria de nós tende não a “observar”, mas sim seguir. Sentimos desejo, então seguimos nossos desejos; sentimos raiva, então seguimos a raiva — ou, no máximo, apenas a suprimimos.
Então, como devemos lidar com as emoções? Sem fabricar nada, apenas observe. E no momento que você olha a emoção, ela desaparece. Iniciantes vão descobrir que a emoção reaparece bem rápido, mas isso não importa. O importante é que no momento em que você começa a observar a emoção, ela imediatamente desaparece. E, mesmo que só desapareça por uma fração de segundo, o fato de que uma emoção desapareceu também significa que a sabedoria, momentaneamente, amanheceu. O reconhecimento dessa atenção nua: é a isso que a palavra “conhecer” se refere.
“Conhecer” a emoção é compreender que, já que ela não tem nenhuma raiz, não há e nunca houve nenhuma emoção. Algumas pessoas falam sobre emoções, particularmente as emoções negativas, como se elas fossem algum tipo de força demoníaca horrível que intencionalmente invade nosso ser, mas elas não são nada disso.
Quando sentir raiva, apenas observe a raiva. Não a causa da raiva ou seu resultado, apenas a emoção da raiva. Ao encarar sua raiva, você descobrirá que não há nada que você possa apontar e dizer: “Aqui está minha raiva”. E a compreensão de que não há absolutamente nada ali é o que é chamado de “amanhecer da sabedoria”.
Dzongsar Khyentse Rinpoche
Buda Virtual
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