Nunca o homem se aproxima tanto de Deus quanto no momento em
que perdoa.
(Mestre Eckhart)
O monge dominicano alemão, Eckhart de Hochheim (1260-1327),
que viveu seus últimos anos perseguido pela Santa Inquisição, dizia que “nada
importa muito se não se trata de descobrir em nós o Absoluto”. O sábio
valorizava a introspecção como meio de ascese espiritual e considerava que nada
podia assemelhar-se tanto a Deus quanto o silêncio.
Eckhart recebera seu título de mestre ao concluir, em 1302,
sua formação escolástica na Universidade de Paris. Destacara-se como um dos
mais agudos debatedores. No ano seguinte retornaria à Alemanha e passaria a
peregrinar por seu país até 1307, quando se estabeleceu como Vigário Geral da
Boêmia. O religioso decididamente rompeu os protocolos eclesiásticos ao
decidir-se por pregar seus sermões dominicais, do alto de seu púlpito, não em
latim, mas em alemão comum, língua acessível ao povo ao qual falava.
Oração.0.5Acusado por aqueles que muito lhe invejavam a
coragem e a serenidade de espírito, de assim “expor aos ingênuos certas coisas
que poderiam induzir os fiéis ao erro”, retorquiu dizendo que assim o fazia por
cumprimento às palavras do Evangelho, segundo as quais “o Espírito sopra onde
lhe aprouver”, julgando ser de suma importância semear ao sabor do vento para
que num sempre crescente número de pessoas maiores chances de germinação
houvesse.
Embora dotado de uma verve torrencial, ao mesmo tempo lúcida
e comovente, não eram tanto as palavras, senão o silêncio contemplativo o moto
de vida deste sábio monge, um místico que dedicou sua vida a perscrutar a alma
em sua natureza eterna, em sua qualidade oculta e numinosa.
De fato, é o silêncio um dos melhores amigos da alma, posto
ser ele prerrogativa necessária à escuta de nossos próprios anseios, da
verdadeira voz interior. A propósito, como escutar aos outros se não estivermos
minimamente treinados a escutar a nós mesmos?
Nesse sentido, a introspecção é sempre uma prática valiosa a
cumprir o papel da genuína oração. Por meio dela podemos aplacar as inquietudes
da mente, abandonar os enganos que cotidianamente nos absorvem e, com natural
inclinação, ouvir a doce poesia de nossos murmúrios internos, também a voz da
intuição indicando-nos novas portas de ascese em direção a experiências que nos
aguardam numa realidade transcendente, que nos ensina a comungar no altar da catedral
anímica, em nosso sagrado templo interior. Nesse silencioso deleite, prestando
atenção aos acordes divinos, podemos ouvir as sinfonias das esferas, o som
vocálico do Verbo criador.
Mas de nada nos adiantaria esta experiência arrebatadora de
escuta se não a pudéssemos aplicar em nossas vidas, no intuito de dirimir o
intempestivo ruído das relações humanas. Procurar perceber o não dito, o
interdito, ou ainda o inaudito que perpassa por todo relacionamento humano é
uma grande prova de amizade e de abertura à voz do coração alheio; pois há
sempre segredos e detalhes que se escondem no silêncio entre as palavras, assim
como a música é tanto mais sublime quando percebemos as pausas de seu andamento
harmônico entre as notas reverberantes do caminho.
Também na verdadeira amizade entre pessoas que se amam e se
respeitam, há cenas que somente podem ser apreendidas na cumplicidade do
silêncio, talvez a mais elevada maneira de dizermos uns aos outros tudo aquilo
que as palavras não alcançam, de nos alçarmos juntos em direção à inefável
condição daqueles que aprenderam a orar e a sorrir sem fazer qualquer barulho.
Texto de Paulo Urban, médico psiquiatra e Psicoterapeuta do
Encantamento
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