“A arte requer o
homem inteiro”, esta frase faz parte de um tratado alquímico e foi citada por
Jung, em seu livro Psicologia e Alquimia. Esta idéia sempre me intrigou. Ficava
me perguntando: porque o homem inteiro? E as pessoas que se sentiam divididas
interiormente, será que nunca poderiam criar?
Vivenciando o
processo artístico, tive contato com a força integradora da arte. Em si, a arte
gera a energia que amálgama o pensar, o sentir e o agir numa única direção, sem
divisões internas durante o instante da criação, tornando o homem íntegro em si
mesmo.
Atualmente, será
que nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossas ações caminham de mãos
dadas numa única direção? Quem tem tempo para refletir sobre isso? Será que,
como a vida tornou-se tão apressada, nos atropelamos?
De um modo geral o
que não damos a devida atenção, tende a regressar de maneira nem sempre
agradável. Quanto mais energia investimos na repressão do nosso pensar, sentir
ou agir, com mais força e energia este material retornará. Seja através de
sonhos, “atos falhos” ou mesmo situações cotidianas, que de forma inconsciente,
atraímos; para que o que foi reprimido aflore e então possamos realizar nosso
aprendizado e evoluir.
Ocorre que
geralmente estes fatos nos surpreendem e sempre atribuímos culpa a terceiros:
vizinhos, mulher, marido, empregada, filhos ou até ao cachorro. Mas é o barulho
interno que incomoda e somente cada indivíduo é responsável por seu próprio
ruído Ter uma mente capaz de ficar em silêncio é uma grande dádiva. Quando
temos plena consciência de nossa paz interior, estamos aptos a suportar os mais
e turbulentos e desconcertantes eventos do dia-a-dia. Do contrário, qualquer
acontecimento torna-se estressante.
O escritor
Fernando Pessoa dizia que “navegar é preciso, viver não”; quando se referia à
impermanência da vida. Ao navegar, ele poderia ajustar a rota de viagem,
chegando ao seu destino, mesmo que de maneira inesperada... Porque na vida, o
que é que nós controlamos? Por isso ele se preocupava em navegar (criar), a
vida aconteceria por si própria.
Fernando
privilegiava a sua arte como forma de estar vivo. Era o que dava sentido a si
mesmo. Sem poder criar e expressar sua arte, qual o sentido da vida para um
ator, bailarino, artista plástico, poeta ou cidadão comum?
A psiquiatra
junguiana Nise da Silveira, foi a precursora na utilização de materiais e
técnicas artísticas no Brasil, com a terapia ocupacional, para auxiliar o
tratamento de clientes do Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro.
Em seu trabalho,
ela expõe como a criação artística tem o poder de incentivar a vida em seu
sentido mais primitivo: na sensação de existência através de uma obra, pela
organização e integração dos impulsos inconscientes. Sem nenhuma pretensão de
transformar os clientes em artistas ou produtores de arte, Nise enfatizava o
contato com esses materiais que , de alguma forma, induziam a energia psíquica
a expressar-se de maneira concreta, criativa e constante. Através da
manipulação de objetos externos, a energia psíquica modifica estes materiais e
por eles é alterada. Como em um processo alquímico, o padrão mental e os
elementos que são manuseados sofrem uma verdadeira metamorfose.
Atualmente, a
arteterapia convoca o princípio da reciprocidade e da transformação: a
capacidade de reverter vivências traumatizantes em situações psiquicamente
suportáveis.
Dentro da função
terapêutica da arte é de suma importância a vivência: criar através da
literatura, escultura, pintura, desenho livre... Deste modo, estamos resgatando
o contato com o belo dentro de cada um. A cultura cura e a harmonia também,
deixando de lado o estético superficial e dando importância ao equilíbrio
interior. Cria-se então um movimento, que começa no interior e reverbera no
exterior. O mundo interno e o externo alinham-se automaticamente.
A evolução
acontece por estarmos dispostos a passar pelo processo de integrar o bem e o
mal em nós mesmos. E não cair na armadilha mental de ficar buscando eternamente
uma causa externa disso ou daquilo, sempre se questionando: “porque não consigo
mudar?”
Aprumando
pensamentos, sentimentos e ações através da linha condutora do processo criativo
(artístico), saberemos qual a direção tomar em cada situação da vida.
Conduzimos a vida
conectados ao coração (ao cerne de nosso ser) e não de um ponto de vista do
controle pelo controle em si.
Pode-se eleger,
dessa forma, nosso papel no mundo: criadores da realidade ou reprodutores de
uma realidade imposta por outras pessoas, tendências, formadores de opinião,
televisão...
A escolha deve ser
feita a cada instante e a vida não espera. Quem sabe quando ela vai bater a
nossa porta com mais um desafio?
O poeta Fernando
Sabino, nos lembra que:
“De tudo ficaram
três coisas...
A certeza de que
estamos sempre começando...
A certeza de que é
preciso continuar...
A certeza de que
podemos ser interrompidos antes de terminar...
Façamos da
interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo
de dança...
Do medo, uma
escada...
Do sonho, uma
ponte...
Da procura, um
encontro!!!”
Tudo por amor à
arte!!!
Carla A. G.
Ferreira.
CRP 05/28816, RJ
post por Sandra Monnerat
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