quinta-feira, 2 de maio de 2013

A função terapêutica da arte.



    “A arte requer o homem inteiro”, esta frase faz parte de um tratado alquímico e foi citada por Jung, em seu livro Psicologia e Alquimia. Esta idéia sempre me intrigou. Ficava me perguntando: porque o homem inteiro? E as pessoas que se sentiam divididas interiormente, será que nunca poderiam criar?
    Vivenciando o processo artístico, tive contato com a força integradora da arte. Em si, a arte gera a energia que amálgama o pensar, o sentir e o agir numa única direção, sem divisões internas durante o instante da criação, tornando o homem íntegro em si mesmo.
    Atualmente, será que nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossas ações caminham de mãos dadas numa única direção? Quem tem tempo para refletir sobre isso? Será que, como a vida tornou-se tão apressada, nos atropelamos?
    De um modo geral o que não damos a devida atenção, tende a regressar de maneira nem sempre agradável. Quanto mais energia investimos na repressão do nosso pensar, sentir ou agir, com mais força e energia este material retornará. Seja através de sonhos, “atos falhos” ou mesmo situações cotidianas, que de forma inconsciente, atraímos; para que o que foi reprimido aflore e então possamos realizar nosso aprendizado e evoluir.
    Ocorre que geralmente estes fatos nos surpreendem e sempre atribuímos culpa a terceiros: vizinhos, mulher, marido, empregada, filhos ou até ao cachorro. Mas é o barulho interno que incomoda e somente cada indivíduo é responsável por seu próprio ruído Ter uma mente capaz de ficar em silêncio é uma grande dádiva. Quando temos plena consciência de nossa paz interior, estamos aptos a suportar os mais e turbulentos e desconcertantes eventos do dia-a-dia. Do contrário, qualquer acontecimento torna-se estressante.
    O escritor Fernando Pessoa dizia que “navegar é preciso, viver não”; quando se referia à impermanência da vida. Ao navegar, ele poderia ajustar a rota de viagem, chegando ao seu destino, mesmo que de maneira inesperada... Porque na vida, o que é que nós controlamos? Por isso ele se preocupava em navegar (criar), a vida aconteceria por si própria.
    Fernando privilegiava a sua arte como forma de estar vivo. Era o que dava sentido a si mesmo. Sem poder criar e expressar sua arte, qual o sentido da vida para um ator, bailarino, artista plástico, poeta ou cidadão comum?
    A psiquiatra junguiana Nise da Silveira, foi a precursora na utilização de materiais e técnicas artísticas no Brasil, com a terapia ocupacional, para auxiliar o tratamento de clientes do Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro.
    Em seu trabalho, ela expõe como a criação artística tem o poder de incentivar a vida em seu sentido mais primitivo: na sensação de existência através de uma obra, pela organização e integração dos impulsos inconscientes. Sem nenhuma pretensão de transformar os clientes em artistas ou produtores de arte, Nise enfatizava o contato com esses materiais que , de alguma forma, induziam a energia psíquica a expressar-se de maneira concreta, criativa e constante. Através da manipulação de objetos externos, a energia psíquica modifica estes materiais e por eles é alterada. Como em um processo alquímico, o padrão mental e os elementos que são manuseados sofrem uma verdadeira metamorfose.
    Atualmente, a arteterapia convoca o princípio da reciprocidade e da transformação: a capacidade de reverter vivências traumatizantes em situações psiquicamente suportáveis.
    Dentro da função terapêutica da arte é de suma importância a vivência: criar através da literatura, escultura, pintura, desenho livre... Deste modo, estamos resgatando o contato com o belo dentro de cada um. A cultura cura e a harmonia também, deixando de lado o estético superficial e dando importância ao equilíbrio interior. Cria-se então um movimento, que começa no interior e reverbera no exterior. O mundo interno e o externo alinham-se automaticamente.
    A evolução acontece por estarmos dispostos a passar pelo processo de integrar o bem e o mal em nós mesmos. E não cair na armadilha mental de ficar buscando eternamente uma causa externa disso ou daquilo, sempre se questionando: “porque não consigo mudar?”
    Aprumando pensamentos, sentimentos e ações através da linha condutora do processo criativo (artístico), saberemos qual a direção tomar em cada situação da vida.
    Conduzimos a vida conectados ao coração (ao cerne de nosso ser) e não de um ponto de vista do controle pelo controle em si.
    Pode-se eleger, dessa forma, nosso papel no mundo: criadores da realidade ou reprodutores de uma realidade imposta por outras pessoas, tendências, formadores de opinião, televisão...
    A escolha deve ser feita a cada instante e a vida não espera. Quem sabe quando ela vai bater a nossa porta com mais um desafio?

    O poeta Fernando Sabino, nos lembra que:
    “De tudo ficaram três coisas...
    A certeza de que estamos sempre começando...
    A certeza de que é preciso continuar...
    A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar...
    Façamos da interrupção um caminho novo...
    Da queda, um passo de dança...
    Do medo, uma escada...
    Do sonho, uma ponte...
    Da procura, um encontro!!!”

    Tudo por amor à arte!!!

    Carla A. G. Ferreira.
    CRP 05/28816, RJ

post por  Sandra Monnerat

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