quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

as 8 preocupações mundanas

cont. do texto acima
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No século VIII, um homem notável introduziu o budismo no Tibete. Seu nome era Padmasambhava, o Nascido do Lótus. Era também chamado de Guru Rinpoche. A lenda conta que, certa manhã, ele simplesmente apareceu sentado em um lótus, no meio de um lago. Diz-se que essa criança incomum nasceu totalmente desperta, sabendo, desde o primeiro momento, que os fenômenos — exteriores e interiores — não possuem nenhuma realidade. O que ele não sabia era como funcionavam os fatos da vida cotidiana. Era um menino muito curioso. Percebeu, desde o primeiro dia, que atraía a todos com seu brilho e beleza. Notou também que, quando estava alegre e bem-humorado, as pessoas ficam felizes e o cobriam de elogios. O rei desse país ficou tão cativado por essa criança que levou Guru Rinpoche para viver em seu palácio e o tratava como filho.
Então, um dia, o menino foi brincar no alto do palácio, levando consigo os instrumentos rituais do rei: um sino e um cetro de metal chamado vajra. Feliz, dançava por ali, fazendo soar o sino e girando o vajra. Então, como grande curiosidade, atirou-os no espaço. Eles caíram rua abaixo, sobre a cabeça de duas pessoas que passavam, matando-as imediatamente. O povo daquele país sentiu-se tão ultrajado que exigiu que o rei expulsasse Guru Rinpoche. Nesse mesmo dia, sem bagagem ou alimento, ele saiu sozinho para a floresta.
Essa criança curiosa havia aprendido uma poderosa lição sobre o funcionamento do mundo. A história conta que esse breve mas vívido encontro com o elogio e a culpa era tudo de que precisava para compreender o movimento do samsara na vida cotidiana. A partir desse momento, abandonou a esperança e o medo, e trabalhou com entusiasmo para despertar os outros.
Também podemos viver assim. Em tudo que fazemos, podemos explorar esses pares opostos tão familiares. Em vez de cair automaticamente nos padrões habituais, podemos começar a perceber como reagimos quando alguém nos faz um elogio. Como reagimos quando alguém nos culpa? Como reagimos quando perdemos alguma coisa? E quando achamos que ganhamos algo? Quando sentimos prazer ou dor, isso é simples? Apenas sentimos prazer ou dor? Ou existe todo um roteiro que se desenrola paralelamente?
Quando nos tornamos inquisitivos sobre esses fatos, olhamos para eles, vemos quem somos e o que fazemos com a curiosidade de uma criança, aquilo que parecia um problema transforma-se em fonte de sabedoria. Estranhamente, essa curiosidade começa a cortar pela raiz o que chamamos de sofrimento do ego ou egocentrismo e enxergamos com mais clareza. Normalmente, somos levados por eles em qualquer dessas direções, reagimos com nosso estilo habitual e nem ao menos percebemos o que está acontecendo. Antes de nos darmos conta, já escrevemos uma novela sobre os grandes erros de alguém, sobre nossos grandes acertos, ou sobre nossas justas razões para conseguir isso ou aquilo. Quando começarmos a compreender esse processo como um todo, ele se torna muito mais leve.
Somos como crianças construindo um castelo de areia. Nós o enfeitamos com lindas conchas, pedaços de madeira e caquinhos de vidro colorido. O castelo é nosso, sabemos que, inevitavelmente, ele será levado pela maré. O truque está em desfrutar dele ao máximo, sem se apegar e, quando chegar uma onda, deixar que ele se dissolva no mar.
Permitir que as coisas se dissolvam é, às vezes, chamado de desapego, mas sem a qualidade fria e distante que freqüentemente se associa a essa palavra. Neste caso, o desapego inclui mais bondade e profunda intimidade. Na verdade, é um desejo de conhecer semelhante à curiosidade de uma criança de três anos. Queremos conhecer nossa dor para podermos parar de fugir interminavelmente. Querer conhecer nosso prazer para podermos parar de agarrar continuamente. Então, de algum modo, nossas perguntas tornam-se mais amplas e nossa curiosidade, mais vasta. Queremos entender a perda, de modo que possamos compreender os demais quando sua vida desmorona. Queremos entender o ganho, para que possamos compreender outras pessoas quando estão encantadas ou quando se tornam arrogantes, empolgadas e envaidecidas.
Quando nos tornamos mais perspicazes e compassivos diante de nossas próprias dificuldades, espontaneamente sentimos mais ternura pelos outros seres humanos. Ao conhecer nossa própria confusão, ficamos mais dispostos e capazes para colocar a mão na massa e tentar aliviar a confusão dos outros. Se não olharmos para a esperança e o medo, observarmos os pensamentos que surgem e a reação em cadeia que se segue — se não nos treinarmos para ficar sentados, unidos a essa energia, sem sermos tomados pelo drama —, vamos sempre sentir medo. O mundo em que vivemos, as pessoas que encontramos, os seres que surgem no vão da porta — tudo vai se tornar cada vez mais ameaçador. Portanto, começamos simplesmente olhando para nossos próprios corações e mentes. Provavelmente, começamos a olhar porque nos sentimos inadequados ou estamos sofrendo e queremos entrar nos eixos. Gradualmente, entretanto, nossa prática evolui. Começamos a compreender que, assim como nós, outras pessoas estão também sendo fisgadas pela esperança e medo. Por toda parte, vemos a angústia causada pela crença nos oito dharmas materiais. Fica também bastante óbvio que as pessoas precisam de ajuda e que não há como ajudar alguém sem antes começar consigo mesmo.
Nossa motivação para a prática começa a mudar e desejamos nos tornar mais suaves e sensatos pelo bem de outras pessoas. Ainda desejamos ver como nossa mente funciona e como somos seduzidos pelo samsara, mas não mais apenas por nós mesmos. Passa a ser por nossos companheiros, filhos, chefes — pelo dilema humano em sua totalidade.
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