quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Emoções negativas

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POR QUE FALAMOS EM “EMOÇÕES NEGATIVAS”?

Segundo o budismo, o termo “emoção negativa” não implica necessariamente que a emoção em questão esteja associada a um sentimento desagradável que faça com que nos afastemos ou o rejeitemos, como é o caso da repugnância. Ao contrário, ela pode estar ligada à atração, ao desejo ávido e obsessivo. Esse termo também não envolve a ideia de negação ou recusa. O adjetivo “negativo” significa menos felicidade, lucidez e liberdade interior. Ele qualifica toda emoção que é fonte de tormentos para nós e para os que estão ao nosso redor. Do mesmo modo, uma emoção ou fator mental “positivo” não supõe que vejamos a vida cor-de-rosa, mas contribui para sukha.
Essas noções nos remetem a um dogma ou a um código mortal editado por uma instância suprema, mas nos levam diretamente ao próprio coração dos mecanismos da felicidade e do sofrimento. Todos nós já passamos por esta experiência: quando damos livre curso ao ciúme, o resultado não se faz esperar – não temos mais um instante de paz e criamos um inferno para os outros. A nossa primeira reação não deve consistir apenas em abafar a emoção negativa, mas compreender as razões pelas quais ela não tem nenhum efeito positivo.
A simples compreensão mental mudará alguma coisa? No momento em que uma pessoa se dedica a refletir, geralmente sem estar sob o efeito de uma emoção forte, ela não tem como produzir efeitos positivos ou negativos sobre essa emoção. Contudo, isso permitirá que ela compreenda que deve ficar atenta quanto ao processo repetitivo dos sofrimentos engendrados pelas emoções negativas e terminará por compreender que se queima toda vez que põe a mão no fogo.
A palavra tibetana nyön-mong (klesha em sânscrito) designa um estado mental perturbado, atormentado e confuso, que nos “aflige a partir de dentro de nós”, do nosso interior. Observemos o ódio, o ciúme ou a obsessão no instante em que nascem: é indiscutível que eles nos causam um profundo mal-estar. De outro ponto de vista, as ações e as palavras que esses estados inspiram, na maioria das vezes, têm a intenção de fazer mal a alguém. Em contrapartida, os pensamentos de bondade, ternura e tolerância nos dão alegria e coragem, abrem a nossa mente e nos libertam interiormente. Eles ainda nos estimulam na direção da benevolência e da empatia.
Além disso, as emoções perturbadoras tendem a distorcer a nossa percepção da realidade e nos impedem de vê-la como realmente é. O apego idealiza o seu objeto, o ódio demoniza-o. Essas emoções nos levam a acreditar que a beleza e a feiúra são inerentes às pessoas e coisas, quando é a mente que decide se elas são “atraentes” ou “repulsivas”. Essa compreensão errônea abre uma brecha entre a aparência das coisas e a sua realidade, obscurece o nosso julgamento e nos leva a pensar e agir como se essas qualidades não dependessem da nossa maneira de vê-las. Já as emoções e estados mentais “positivos” (segundo a acepção budista) reforçam a nossa lucidez e a precisão do nosso raciocínio, na medida em que se baseiam em uma apreciação mais exata da realidade. Assim, o amor altruísta reflete a interdependência íntima que existe entre todos os seres, entre a nossa felicidade e a dos outros, e está em harmonia com a realidade, enquanto que o egocentrismo cava um fosso cada vez mais profundo entre nós e os outros.
O essencial, portanto, é identificar os tipos de atividade mental que conduzem ao “bem-estar”, ao sofrimento, mesmo que esses últimos nos concedam breves momentos de prazer. Esse exame requer uma avaliação sutil da natureza das emoções. Por exemplo, o deleite que experimentamos ao fazer uma observação inteligente mas maliciosa é considerado negativo. Já a nossa satisfação, ou até a tristeza, por não podermos aliviar o sofrimento que testemunhamos de maneira alguma atrapalha a busca de sukha, visto que tais emoções nos encorajam a cultivar com desapego a capacidade de ajudar e inspiram a determinação de colocá-la em prática. Qualquer que seja o caso, a análise mais segura é sempre obtida por meio da introspecção e da auto-observação.
A primeira etapa dessa análise consiste em identificar o modo como surgem as emoções. Isso requer o cultivo de uma atenção dirigida ao desenrolar das atividades mentais, acompanhada de uma tomada de consciência que permita distinguir entre as emoções destrutivas e aquelas que favorecem o desenvolvimento da felicidade. Essa análise, realizada muitas e muitas vezes, é a preliminar indispensável para a transformação de estado mental perturbado. Para conseguir essa transformação, o budismo prescreve um rigoroso e prolongado treino de introspeção, processo que implica a estabilização da atenção e o aumento da lucidez. Essa disciplina tem afinidade com o conceito de “atenção voluntária e sustentada”, de William James, o fundador da psicologia moderna. Mas enquanto James duvidava da possibilidade de desenvolver e manter essa atenção voluntária por mais do que alguns segundos, os meditadores budistas descobriram que é possível desenvolvê-la consideravelmente. Uma vez que, pela prática, tenhamos acalmado os nossos pensamentos, clarificado e concentrado a nossa mente, estamos aptos para examinar a natureza das nossas emoções e outros estados mentais de maneira muito eficaz.
A curto prazo, certos processos mentais com a avidez, a hostilidade e a inveja podem concorrer para nos ajudar na obtenção daquilo que julgamos ser desejável ou atraente. Falamos das vantagens da raiva e do ciúme para a preservação da espécie humana. A longo prazo, porém, eles são nocivos tanto para o nosso desenvolvimento quanto para o das outras pessoas. Cada episódio de agressividade e ciúme representa um recuo em nossa busca da serenidade e da felicidade.

O único objetivo do budismo ao tratar das emoções é nos liberar das causas fundamentais do sofrimento. Parte-se do princípio de que certos eventos mentais são perturbadores, não importando a intensidade ou o contexto em que surjam. Esse é o caso dos três processos mentais considerados como os “venenos” mentais básicos: o desejo, no sentido de “sede”, ânsia, avidez que atormenta; o ódio, desejo de ferir, de fazer sofrer; e a ilusão, que deforma a nossa percepção da realidade. O budismo geralmente acrescenta a esses três estados mentais o orgulho e a inveja; juntos eles constituem os cinco venenos maiores, aos quais se associam de sessenta estados mentais negativos. Os textos sagrados se referem também a “oitenta e quatro mil emoções negativas”. Elas não são especificadas em detalhe, mas esse número simbólico dá uma ideia da complexidade da mente humana e nos convida a compreender que os métodos para transformar a mente devem se adaptar à enorme variedade de disposições mentais. É por essa razão que o budismo fala das “oitenta e quatro mil portas” que levam ao caminho da transformação interior.

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