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Poderíamos pensar que a ignorância e as emoções negativas são inerentes ao fluxo da consciência e que tentar livrar-nos delas é como lutar contra uma parte de nós mesmos. Mas o aspecto mais fundamental da consciência, a pura faculdade de conhecer – aquilo que chamamos de qualidade “luminosa” da mente -, não contém ódio nem desejo. Um espelho reflete tanto a face raivosa quanto a sorridente. A própria qualidade desse espelho permite que apareçam nele incontáveis imagens sem que qualquer delas lhe pertença. Na verdade, se a face raivosa fosse intrínseca ao espelho, poderia ser vista o tempo todo e isso impediria o surgimento de outras imagens. De forma semelhante, a qualidade fundamental da cognição, que é a natureza luminosa da mente, permite o surgimento dos pensamentos. No entanto, nenhum desses pensamentos pertence à natureza fundamental da mente. A experiência da introspecção mostra, ao contrário, que as emoções negativas são estados mentais transitórios que podem ser aniquilados pelas emoções positivas que lhes são opostas, agindo como antídotos.
Portanto, é preciso começar pelo reconhecimento de que as emoções aflitivas são prejudiciais ao nosso bem-estar. Essa avaliação não se baseia somente na distinção dogmática entre o bem e o mal, mas sim na observação das repercussões a curto e a longo prazo de certas emoções, em nós mesmos e nos outros. No entanto, o mero fato de reconhecer os efeitos nefastos das aflições mentais não basta para superá-las. Tendo chegado a essa percepção, é necessário ainda familiarizar-se com cada antídoto – a bondade como antídoto para o ódio, por exemplo – até que a ausência de ódio se torne uma segunda natureza.
A palavra tibetana gom, em geral traduzida por “meditação”, significa “familiarização”, e a palavra sânscrita bhavana, também traduzida por “meditação”, significa “cultivo”. Com efeito, meditar não é sentar-se à sombra de uma árvore e relaxar para usufruir de um momento de pausa na maçante rotina diária, mas familiarizar-se com uma nova visão das coisas, um novo modo de gerir os seus pensamentos, de perceber as pessoas e experienciar o mundo dos fenômenos.
O budismo ensina vários métodos para conseguir essa “familiarização”. Os três principais são os antídotos, a liberação e a utilização. O primeiro consiste em aplicar um antídoto específico para cada emoção negativa. O segundo nos permite desembaraçar ou “liberar” a emoção quando, ao olhar diretamente para ela, conseguimos dissolvê-la assim que surge. O terceiro método consiste em usar a força natural de cada emoção como um catalisador para a transformação interior. A escolha de um método ou de outro depende do momento, das circunstâncias e das capacidades da pessoa que o utiliza. Todos eles têm em comum um ponto essencial e a mesma meta: ajudar-nos a deixar de ser vítimas das emoções conflitivas.
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