quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

As Oito preocupações mundanas

Alan Wallace

Budismo Causas da Felicidade Causas do Sofrimento
Podemos achar que, de algum modo, devemos tentar erradicar esses sentimentos de prazer e dor, perda e ganho, louvor e culpa, prestígio e desonra. Entretanto, seria uma abordagem mais realista tentar conhecê-los, ver como eles nos fisgam, observar como colorem nossa percepção da realidade, perceber que não são assim tão sólidos. Então, os oito dharmas materiais se transformariam em meios para nos tornarmos mais sábios, bondosos e felizes.

Um dos ensinamentos budistas clássicos sobre esperança e medo refere-se aos chamados oito dharmas materiais [ou oito dharmas mundanos], que são pares de opostos: quatro de que gostamos e a que nos apegamos, e quatro de que não gostamos e tentamos evitar. A mensagem básica é a de que sofremos quando ficamos envolvidos neles.
Em primeiro lugar, gostamos do prazer e somos apegados a ele. Ao contrário, não gostamos da dor. Em segundo lugar, gostamos de louvores e somos atraídos por eles. Tentamos evitar a crítica e a culpa. Em terceiro, gostamos de prestígio e damos valor a ele. Não gostamos da desonra e tentamos evitá-la. Finalmente, somos apegados ao ganho, a conseguir aquilo que desejamos. Não gostamos de perder o que possuímos.
De acordo com esse ensinamento muito simples, estar imerso nesses quatro pares de opostos — prazer e dor, perda e ganho, prestígio e desonra, louvor e culpa — é o que nos mantém presos ao sofrimento do samsara.
Sempre que nos sentimos bem, nossos pensamentos são geralmente sobre os aspectos de que gostamos — louvor, ganho, prazer e prestígio. Quando nos sentimos insatisfeitos, irritados e fartos, nossos pensamentos e emoções estão, provavelmente, girando em torno de algo como dor, perda, desonra e culpa.
Vamos tomar o louvor e a culpa. Alguém chega até nós e diz: “Você está velho”. Se acontece de querermos ser velhos, vamos nos sentir muito bem. Ouvimos isso como elogio, sentimos grande prazer e um sentimento de ganho e prestígio. Entretanto, imagine que passamos o ano inteiro obcecados pela idéia de nos livramos de nossas rugas e de termos uma linha do queixo mais firme. Quando alguém diz “Você está velho”, encaramos isso como um insulto. Acabamos de ser criticados e experimentamos um sentimento de dor correspondente.
Mesmo se pararmos agora de falar sobre esse ensinamento específico, já é possível perceber que muitas de nossas variações de humor estão relacionadas com a maneira pela qual interpretamos o que acontece. Se olharmos atentamente para as alterações de nossos estados de espírito, veremos que sempre existe algo que as desencadeia. Carregamos uma realidade subjetiva que está continuamente fazendo disparar reações emocionais. Alguém diz “você está velho” e entramos em um estado mental específico — de alegria ou tristeza, de encanto ou aborrecimento. Para outra pessoa, a mesma experiência pode ser completamente neutra.
Palavras são faladas, cartas são recebidas, telefonemas são dados, o alimento é ingerido, as coisas acontecem ou não acontecem. Acordamos pela manhã, abrimos os olhos e as situações sucedem-se o dia todo, até que vamos dormir novamente. Mesmo durante o sono, muita coisa acontece. Durante toda a noite, encontramos as pessoas e situações de nossos sonhos. Como reagimos ao que ocorre? Somos apegados a determinadas experiências? Rejeitamos ou evitamos outras? Quanto somos fisgados pelos oito dharmas materiais?
A ironia está no fato de que somos nós mesmos que os construímos, por meio de reações ao que nos acontece. Eles não são concretos em si mesmos. Mais estranho ainda é o fato de também não sermos tão sólidos assim. Temos um conceito a respeito de nós mesmos que reconstruímos momento a momento e tentamos proteger por reflexo. Entretanto, esse conceito que estamos protegendo é questionável. É tudo “muito barulho por nada” — como empurrar e puxar uma ilusão que se desfaz.
Podemos achar que, de algum modo, devemos tentar erradicar esses sentimentos de prazer e dor, perda e ganho, louvor e culpa, prestígio e desonra. Entretanto, seria uma abordagem mais realista tentar conhecê-los, ver como eles nos fisgam, observar como colorem nossa percepção da realidade, perceber que não são assim tão sólidos. Então, os oito dharmas materiais se transformariam em meios para nos tornarmos mais sábios, bondosos e felizes.
Para começar, durante a meditação, podemos perceber como as emoções e os estados de humor estão relacionados com ter ganhado ou perdido algo, ter sido elogiado ou acusado, e assim por diante. É possível notar que aquilo que começa como um simples pensamento, uma mera qualidade de energia, rapidamente se manifesta sob uma forma desenvolvida de prazer ou sofrimento. É claro que precisamos de uma certa coragem, já que gostaríamos que tudo ficasse na coluna do prazer/louvor/prestígio/ganho. Gostaríamos de nos assegurar de que tudo vai ser a nosso favor. No entanto, quando olhamos bem, vemos que não temos nenhum controle sobre o que nos acontece. Temos todo tipo de alteração de humor e reação emocional. Elas simplesmente vêm e vão, interminavelmente.
Às vezes, seremos completamente aprisionados por um drama. Ficaremos tão aborrecidos quanto ficaríamos se alguém entrasse na sala e nos desse um tapa no rosto. Nesse momento é possível pensar: “Espere um pouco — o que está acontecendo?”. Olhamos para a situação e conseguimos enxergar que, de repente, sentimos que perdemos algo ou fomos insultados. Não sabemos de onde vem essa sensação, mas lá estamos nós, mais uma vez fisgados pelos oito dharmas materiais.
Exatamente nesse momento, podemos sentir essa energia, fazer o máximo para permitir que os pensamentos se dissolvam e dar a nós mesmos uma folga. Para além de todo o estardalhaço e confusão, existe um céu enorme. Bem ali, no meio da tempestade, podemos parar e relaxar.
Podemos também ser completamente levados por uma deliciosa, prazerosa fantasia. Olhamos para a situação e, do nada, sentimos que ganhamos, vencemos, fomos elogiados por algo. O que surge foge ao nosso controle e é totalmente imprevisível, como as imagens de um sonho. Entretanto, assim que se inicia, somos mais uma vez fisgados pelos oito dharmas materiais.
Os seres humanos são tão previsíveis! Um pequeno pensamento surge, cresce, e antes que possamos saber o que aconteceu, somos tomados pela esperança e pelo medo.
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