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A maior parte das pesquisas atuais da área da psicologia que têm
como objeto de estudo o controle das emoções concentra-se em como dirigir e
modular as emoções depois de que elas já invadiram a nossa mente. O que está
faltando, ao que parece, é o reconhecimento de que uma atenção mais
desenvolvida e uma clareza mental – a “presença mental” do budismo – podem
desempenhar papel central nesse processo de controle. Reconhecer a
emoção no exato momento em que ela surge,compreender que ela não é
nada mais do que um pensamento – desprovido de existência intrínseca -,permitir
que ela se dissipe de maneira a evitar a reação em cadeira a que via
de regra daria origem são atitudes que estão no cerne da prática contemplativa
budista.
Em obra recente, Paul Ekman, que participa há muitos anos dos encontros entre o
Dalai Lama e importantes cientistas promovidos pelo Mind and Life Institute,
enfatiza a utilidade de se considerar com atenção as sensações emocionais, como
na vigilância e na presença desperta do budismo. Ele considera que essa é uma
das maneiras mais práticas de administrar as emoções, ou seja, decidir se
queremos ou não expressá-las em palavras e em atos.
Sabemos que a maestria em qualquer disciplina, música, medicina, matemática
etc., requer treinamento intensivo. No entanto, parece que no Ocidente – com
exceção da psicanálise, cujos resultados são, na melhor das hipóteses,
incertos, e o processo, doloroso – não é comum que sejam empreendidos esses
esforços persistentes que visam, a longo prazo, transformar os estados
emocionais e o temperamento. A própria meta da psicanálise é diferente da
estabelecida pela psicologia positiva ou pelo budismo, que buscam não apenas
“normalizar” o nosso modo neurótico de funcionar no mundo. A condição
considerada como “normal” é, nos dois casos, apenas o ponto de partida, não o
objetivo. A nossa vida vale muito mais do que isso! Disse-me certa vez Martin
Seligman: “O melhor que ela [a psicanálise] pode fazer é nos levar de menos dez
para zero”.
Assim, a maior parte dos métodos conhecidos pela psicologia ocidental para
modificar de maneira duradoura os estados efetivos diz respeito sobretudo ao
tratamento de estados patológicos. Diz um artigo recente escrito por psicólogos
ocidentais e budistas:
Com poucas e notáveis exceções – entre as quais o desenvolvimento da
“psicologia positiva” – nenhum esforço tem sido realizado no sentido de
cultivar atributos positivos da mente em indivíduos que não estejam sofrendo de
problemas mentais. É importante sublinhar o fato de que o treinamento para se
obter a excelência em qualquer domínio requer uma dose considerável de prática.
As abordagens ocidentais não incluem esse esforço persistente e a longo prazo
para se fazer mudanças duradouras nos estados ou traços emocionais. Nem mesmo a
psicanálise chega a requerer um trabalho de décadas, como o que os budistas
consideram necessário para cultivas sukha.
Esse esforço, no entanto, é muito desejável. Precisamos nos livrar das toxinas
mentais e, ao mesmo tempo, cultivar os estados da mente que contribuem para o
equilíbrio emocional e asseguram o bom desenvolvimento de uma mente saudável.
Grande parte das emoções conflituosas são problemas mentais. Uma pessoa
possuída por um ódio feroz ou uma inveja obsessiva não pode, em sã consciência,
ser considerada alguém que tem uma mente sadia, mesmo que não seja candidata
aos tratamentos psiquiátricos. Como essas emoções estão integradas à nossa vida
cotidiana, a importância e a urgência de lidar com elas parecem não estar tão
claras quanto deveriam. Como resultado, a ideia de treinar a mente não figura
entre as preocupações que pressionam o homem moderno, como o trabalho, as
atividades culturais, os exercícios físicos e o lazer.
O ensino dos valores humanos é em geral considerado uma incumbência da religião
ou da família. A espiritualidade e a vida contemplativa são reduzidas, assim, a
meros complementos vitamínicos da alma. Os conhecimentos filosóficos que
adquirimos são quase sempre distantes da nossa prática, e cabe ao indivíduo
escolher suas próprias regras da vida. Mas em nossa época, a pseudoliberdade de
fazer tudo o que passa pela cabeça e a falta de referências deixam o indivíduo
infeliz desamparado. As considerações abstratas em geral incompreensíveis da
filosofia contemporânea, somadas ao ritmo febril da vida cotidiana e à
supremacia da diversão e do entretenimento, deixam pouco lugar para a busca de
uma fonte de inspiração autêntica quanto à direção que podemos dar à nossa
vida. O Dalai Lama enfatiza: “Gostaríamos que a espiritualidade fosse fácil,
rápida e barata.” Ou seja, inexistente. É o que Chögyam Trungpa denominou de
“materialismo espiritual”. Pierre Hador, especialista em filosofia antiga,
sublinha que “a filosofia não é senão um exercício preparatório para a
sabedoria” e que uma verdadeira escola filosófica corresponde antes de tudo a
determinada escolha de vida.
É necessário reconhecer que oferecemos uma resistência fenomenal à mudança. Não
falamos apenas da alegria e do vigor com que a nossa sociedade adota como
tendência as novidades superficiais, mas de uma inércia profunda no que tange a
qualquer transformação genuína do nosso modo de ser. A maior parte do tempo não
queremos nem ouvir falar da possibilidade de mudar e preferirmos tratar com
escárnio aqueles que buscam soluções alternativas. Ninguém quer ser raivoso,
ciumento ou orgulhoso, mas cada vez que cedemos a essas emoções, usamos a
desculpa de que isso é normal, que faz parte dos atos e baixos da vida.
Então, por que mudar? Seja você mesmo” Divirta-se bastante, compre um carro
novo, mude de ares, consiga uma nova amante, tenha tudo, farte-se de tudo o que
é estúpido e supérfluo, mas acima de tudo, jamais toque no essencial, porque
isso exige um trabalho duro, um esforço verdadeiro. Uma atitude como essa seria
justificada se estivéssemos satisfeitos com o nosso destino. Mas estamos mesmo?
Citando Alain mais uma vez: “Os insanos são mestres no proselitismo e,
principalmente relutam em curar-se”.
Como o ego é recalcitrante e revolta-se cada vez que a sua hegemonia é
ameaçada, preferimos proteger esse parasita que nos é tão caro e nos
perguntamos o que seria da nossa vida sem ele – não ousamos nem pensar! Eis uma
lógica do tormento bastante curiosa.
E,
no entanto, uma vez que iniciamos o nosso trabalho de introspecção, descobrimos
que a transformação não é nem de longe tão dolorosa quanto havíamos imaginado.
Ao contrário, tão logo decidimos empreender metamorfose interior, mesmo que
tenhamos que passar por algumas dificuldades, percebemos nesse trabalho uma
alegria que faz de cada passo uma nova satisfação. Temos o sentimento de
adquirir uma liberdade e uma força interior cada vez maiores, que se traduzem
em uma diminuição das nossas angústias, dos nossos medos e das nossas
ansiedades. O sentimento de insegurança dá lugar a uma confiança repleta de
alegria de viver, e o egoísmo crônico, a um altruísmo amistoso.
Um dos meus professores, o falecido Sandrak Rimpoche, viveu mais de trinta anos
na fronteira montanhosa entre o Nepal e o Tibete. Ele me contou que, quando
iniciou seus retiros, ainda adolescente, passou por anos muito difíceis. As
suas emoções eram tão poderosas, principalmente os desejos, que ele chegou a
pensar que ficaria louco (quando me falou sobre isso, tinha um grande sorriso
na face). Mas depois, pouco a pouco, foi se familiarizando com as várias
maneiras de tratar as emoções e conseguiu uma perfeita liberdade interior.
Desde então, cada momento da vida foi, para ele, uma experiência de pura
alegria. E isso era visível! Ele foi uma das pessoas mais simples, alegres,
serenas e reconfortantes que conheci. Eu tinha a impressão de que nada
poderia afetá-lo; era como se as dificuldades exteriores passassem por ele como
gotas d’água deslizando sobre uma pétala de rosa. Quando falava, seus olhos
ficavam brilhando de alegria, deliciados, e ele parecia tão leve, tão vivaz que
eu pensava que ele iria sair voando como um passarinho.
Trecho do livro ”Felicidade – A
pratica do Bem Estar”
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