CESSEMOS DE NOS IDENTIFICAR COM NOSSAS
EMOÇÕES
A segunda maneira de enfrentar nossas emoções perturbadoras consiste em
dissociar mentalmente a emoção que nos aflige. Habitualmente, nós nos
identificamos completamente com nossas emoções. Quando somos tomados por um
acesso de raiva, transformamo-nos num só com ela. Ela é onipresente em nossa
mente e não deixa nenhum lugar para outros estados mentais, tais como a paz
interior, a paciência ou a consideração das razões que poderiam acalmar nosso
descontentamento. Entretanto, se naquele momento formos ainda capazes de ter um
pouco de presença de espírito – capacidade que pode ser treinada -, poderemos
cessar de nos identificar com a raiva.
A mente é capaz de examinar o que se passa nela. Basta que ela observe
suas emoções como faríamos com um acontecimento exterior que se produz diante
de nossos olhos. Ora, a parte de nossa mente que está consciente da raiva está
simplesmente consciente: ela não está com raiva. Ou seja, a consciência plena
não é afetada pela emoção que observa. Compreender permite tomar distância,
conscientizar-se de que essa emoção não tem nenhuma substância, e deixar-lhe
espaço suficiente para que ela se dissolva por si mesma.
Agindo assim, evitamos dois extremos, ambos prejudiciais: reprimir a emoção,
que permanecerá em algum lugar sombrio de nossa consciência, como uma
bomba-relógio, ou deixa-la explodir, em detrimento daqueles que nos cercam e de
nossa própria paz interior. Não se identificar com as emoções constitui um
antídoto fundamental aplicável em todas as circunstâncias.
Na próxima meditação, tomaremos novamente como exemplo a cólera, mas o
processo é o mesmo para qualquer outra emoção perturbadora.
MEDITAÇÃO
Imaginemos que estamos dominados por uma forte raiva. Achamos que não
temos outra escolha a não ser nos deixar levar por ela. Impotente, nossa mente
se volta sem cessar para o objeto que desencadeou sua raiva, como o ferro em
direção ao ímã. Se alguém nos insultou, a imagem dessa pessoa e suas palavras
voltam constantemente ao nosso pensamento. E cada vez que pensamos nisso
desencadeamos uma nova labareda de ressentimento que alimenta o círculo vicioso
dos pensamentos e das reações a esses pensamentos.
Mudemos, então, de tática. Desviemo-nos do objeto de nossa raiva e
contemplemos a própria raiva. Seria um pouco como se olhássemos para o fogo,
sem continuar a alimentá-lo com lenha. O fogo, por mais violento que seja, não
tardará a apagar-se sozinho. Da mesma forma, se simplesmente pousarmos o olhar
da nossa atenção sobre a raiva, é impossível que ela perdure por si mesma. Toda
emoção, por mais intensa que seja, esgota-se e se esvanece naturalmente quando
cessamos de alimentá-la.
Saibamos, enfim, que a raiva, por mais forte que seja, não passa de um
pensamento. Vamos examiná-la mais de perto. De onde ela tira o poder de nos
dominar a tal ponto? Possui uma arma? Queima como fogo? Esmaga-nos como uma
rocha? Podemos localizá-la em nosso peito, coração ou cabeça? Se acreditarmos
que sim, tem ela cor ou forma? Teremos muita dificuldade de encontrar nela tais
características. Quando contemplamos uma nuvem espessa num céu de tempestade,
vemos que ela tem um ar maciço que poderíamos nos assentar sobre ela.
Entretanto, se voássemos em sua direção, nada encontraríamos para pegar: só há
vapor impalpável. Da mesma maneira, examinando atentamente a raiva, nada
encontraremos que possa justificar a influência tirânica que exerce sobre nós.
Quanto mais tentamos defini-la, mais ela desvanece sob nosso olhar como a geada
sob os raios do sol.
Finalmente, de onde vem essa raiva? Onde está agora? Para onde foi? Tudo
o que podemos afirmar é que provém de nossa mente, permanece ali alguns
instantes e desaparece em seguida. Quanto à mente, ela é imperceptível, não
constitui uma entidade distinta e não é mais do que um fluxo de energia.
Se em cada vez que uma forte emoção surgir nós aprendermos a
administrá-la com inteligência, não somente dominaremos a arte de liberar as
emoções no exato momento em que surgem, mas também destruiremos
progressivamente as tendências que fazem com que as emoções apareçam. Assim,
pouco a pouco, nossos traços de caráter e nossa maneira de ser se modificarão.
Esse método pode parecer um pouco difícil no início, sobretudo no calor
dos acontecimentos, mas com a prática vai se tornar cada vez mais familiar.
Logo que a raiva ou qualquer outra emoção perturbadora surgirem em nossa mente,
vamos identificá-las de imediato e saberemos enfrentá-las antes que tomem uma
grande dimensão. É como se conhecêssemos a identidade de um batedor de
carteira: mesmo que se misturasse à multidão, iríamos localizá-lo
instantaneamente e ficaríamos de olho nele para que não roubasse nossa
carteira.
Assim, familiarizando-nos cada vez mais com os mecanismos da mente, e
cultivando a consciência plena, não deixaremos mais a centelha das emoções
nascentes se transformar em incêndio capaz de destruir nossa felicidade e a dos
outros.
Esse método pode ser utilizado com todas as emoções perturbadoras; ele
permite fazer uma ponte entre a prática da meditação e as ocupações da vida
cotidiana. Se nos habituarmos a ver os pensamentos no momento em que surgem, e
deixá-los se dissipar antes que tomem posse de nós, será muito mais fácil
continuarmos a ser donos de nossa mente e a administrar as emoções conflituosas
no meio de nossas atividades diárias."
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