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O primeiro método, como já dissemos, consiste em neutralizar as emoções aflitivas com a ajuda de um antídoto específico, da mesma maneira como neutralizamos os efeitos destrutivos de um veneno com um soro, ou de um ácido com uma base. Um dos pontos fundamentais enfatizados pelo budismo é que os dois processos mentais opostos não podem surgir ao mesmo tempo. Podemos oscilar rapidamente entre o amor e o ódio, mas não podemos sentir no mesmo instante de consciência o desejo de fazer o mal e o bem a alguém. Esses dois impulsos são tão opostos entre si quanto a água e o fogo. Como escreveu o filósofo Alain: “Um movimento exclui o outro; quando você estende uma mão amiga, exclui o punho fechado.”
Da mesma maneira, treinando a mente para o amor altruísta, pouco a pouco eliminamos o ódio, porque esses dois estados mentais podem alternar-se, mas não coexistir no mesmo instante. Assim, quanto mais cultivamos a bondade, menos espaço há para o ódio na nossa paisagem mental. É importante começar pelo aprendizado de quais são os antídotos que correspondem a cada emoção negativa e depois cultivá-los. Esses antídotos são para o psiquismo o que os anticorpos são para o organismo.
Dado que o amor altruísta age como um antídoto direto contra o ódio, quanto mais o desenvolvemos mais diminuirá em nós o desejo de fazer mal a alguém, até o ponto de desaparecer. Não é uma questão de reprimir o ódio, mas de voltar a mente para algo oposto: o amor e a compaixão. Seguindo uma prática budista tradicional, inicie reconhecendo a sua própria aspiração à felicidade. Em seguida, estenda esse sentimento àqueles que você ama e depois a todas as pessoas (amigos, inimigos e desconhecidos). Pouco a pouco, o altruísmo e a bondade impregnarão sua mente até se tornarem uma segunda natureza. Desse modo, treinar o pensamento altruísta é uma proteção duradoura contra a animosidade e agressão crônicas e favorece uma prontidão genuína para agir em benefício dos outros.
É também impossível a coexistência da cobiça, ou o desejo apaixonado, e do desapego – que permite experimentar a paz interior e a serenidade. O desejo só pode se desenvolver quando permitimos que ele reine sem limites, a ponto de monopolizar a mente. A armadilha, neste caso, é que o desejo e o prazer, seu aliado, estão longe de ter o aspecto horrível da raiva. São até muito sedutores. Mas os fios sedosos e insinuantes do desejo, que no início parecem tão leves, logo se tensionam, e as roupas suaves que o urdiram tornam-se uma camisa-de-força. Quanto mais lutamos, mas apertada ela fica.
Nos piores casos, o desejo pode nos levar a buscar a satisfação a qualquer custo; quanto mais ela parece estar longe de nós, mais fazemos dela uma obsessão. Por outro lado, quando contemplamos os seus aspectos perturbadores e voltamos a mente para o desenvolvimento da calma interior, a obsessão ligada ao desejo se dissolve como os flocos de neve expostos ao sol. Não nos enganemos: não se trata, aqui, de deixarmos de amar aqueles com quem compartilhamos a nossa vida ou de nos tornarmos indiferentes a eles, mas de nos prendermos às pessoas e às situações como uma atitude possessiva, misturada com um profundo sentimento de insegurança. Se pararmos de projetar todas as insaciáveis exigências dos nossos apegos sobre as pessoas, poderemos amá-las mais e sentir um genuíno interesse e preocupação pelo seu verdadeiro bem-estar.
Quanto à raiva, ela pode ser neutralizada pela paciência. Isso não requer que fiquemos passivos, mas que tomemos a decisão de nos afastar do domínio das emoções destrutivas. Como explica Dalai Lama: “A paciência protege a nossa paz de espírito diante da adversidade. [...] É uma pessoa deliberada [o contrário de uma reação impensada] às fortes emoções e aos pensamentos negativos que tendem a surgir quando encontramos algo que nos faz mal”
Para dar outro exemplo, a inveja e o ciúme provêm da incapacidade fundamental de se alegrar, de ficar feliz com o sucesso de outrem. Exacerbado, o ciúme se torna violento e destrutivo. Como fazer quando caímos vítimas dessas imagens torturantes? O ciumento, o invejoso, abandonando-se a um automatismo mórbido, se regozija mentalmente com cenas que “colocam o dedo na ferida”. Toda possibilidade de felicidade fica, então, excluída. Se restar um mínimo de lucidez para reconhecer essa tendência, é necessário fazer a escolha corajosa do antídoto certo e deixar de lado por algum tempo essas imagens, sem reforçá-las. É útil, portanto, gerar empatia e amor altruísta, e com a ajuda do tempo, o ciúme e a inveja nos parecerão apenas um sonho ruim.
Poderíamos objetar: “Isso seria perfeito em um mundo ideal, mas os sentimentos humanos não são por natureza ambivalentes? Podemos amar e sentir ciúme ao mesmo tempo. A complexidade e a riqueza dos nossos sentimentos são tais que podemos sentir emoções contraditórias no mesmo momento.” Mas as emoções em questão são incompatíveis de verdade, como o calor e o frio? Podemos sentir amor profundo por um companheiro ou uma companheira e ao mesmo tempo desprezá-los porque estão nos traindo. Mas isso é realmente amor? No sentido em que o definimos, o amor é a vontade de que a pessoa que amamos seja feliz e compreenda as causas dessa felicidade. Amor verdadeiro e ódio não podem coexistir, porque aquele almeja a felicidade do outro, e este, a sua infelicidade. O apego, o desejo e a possessividade costumam acompanhar o amor, mas não são o amor. Podem coexistir com o ódio porque não são o seu oposto. Há estados mentais que são definitiva e completamente incompatíveis: o orgulho e a humildade, a inveja e a alegria, a generosidade e a avareza, a calma e a agitação. Nenhuma ambivalência é possível entre esses pares. Por meio da introspecção, seremos capazes de distinguir as emoções que aumentam a nossa alegria de viver das que a diminuem.
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