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O segundo método é a liberação. Ele consiste em perguntar se, em vez de tentar combater cada emoção aflitiva com seu antídoto específico, não podemos usar um antídoto único que venha a agir em um nível mais fundamental sobre todas as nossas aflições mentais. Não é nem possível nem desejável reprimir a atividade natural da mente, e seria vão e doentio tentar bloquear os pensamentos; por outro lado, ao examinarmos as emoções, percebemos que elas são fluxos dinâmicos desprovidos de qualquer substância intrínseca – o que o budismo chama de “vacuidade” de existência real dos pensamentos. O que aconteceria se, em vez de contra-atacar uma emoção perturbadora com o seu oposto – a raiva com a paciência, por exemplo – nós contemplássemos ou examinássemos a natureza da própria emoção em si?
Imagine que você está sendo dominado por um sentimento de raiva muito forte. Parece não haver saída senão deixar-se levar por ela. Mas vamos observá-la com atenção: ela não é nada mais do que um pensamento. Quando você vê uma grande nuvem escura, em um céu carregado e tempestuoso, essa nuvem parece ser tão sólida que quase podemos pensar em nos sentar nela. Mas se estivermos voando perto dessa nuvem, veremos que não se pode pegá-la; ela não é nada senão vapor e vento. Examinemos mais de perto a raiva. A experiência da raiva é como uma febre alta. É uma condição temporária, e você não precisa se identificar com ela. Quanto mais você olhar para a raiva desta maneira, mais ela se evaporará diante dos seus olhos, como gelo sob os raios do sol.
De onde vem a raiva? Como ela se desenvolve? Pra onde ela vai quando desaparece? O que podemos dizer com certeza é que ela nasce na mente, permanece na mente o tempo que durar e, por fim, é também na mente que ela se dissipa. Como as ondas que surgem e se dissolvem no oceano. Ao examinarmos a raiva, não encontramos nada que seja consistente ou substancial, nada que possa explicar a tirânica influência que ela exerce sobre nós. É necessário fazer essa indagação para não ficarmos fixados no objeto da raiva e dominados pela emoção destrutiva. Por outro lado, se percebermos que a raiva não tem qualquer substância em si mesma, ela irá perder toda a sua força. Eis o que diz a esse respeito Khyentse Rimpoche:
Lembre-se que um pensamento é apenas o produto da conjunção fugaz de numerosos fatores e circunstâncias. Ele não existe por si mesmo. Quando um pensamento surge, reconheça que ele é, por natureza, vazio. Ele imediatamente perceberá o poder de suscitar o pensamento seguinte e a cadeia de ilusão chegará ao fim. Reconheça essa vacuidade dos pensamentos e deixe que eles repousem por um instante na mente relaxada, de maneira que a claridade natural dessa ente permaneça límpida e inalterada.
É a isso que o budismo dá o nome de liberação da raiva no momento em que ela surge. Conseguimos isso pelo reconhecimento da sua vacuidade, da sua falta de existência própria. Essa liberação se produz espontaneamente, como a imagem de um esboço desenhado na superfície da água que mencionei antes. Ao proceder assim, não reprimimos a raiva, mas neutralizamos o seu poder de transformar-se na causa de sofrimento.
Quase sempre, só chegamos a fazer essa análise e compreender tudo isso depois que a crise passou. Aqui, é necessário que reconheçamos a natureza vazia da raiva do bem no momento em que ela emerge. Graças a essa compreensão, os pensamentos não têm mais a oportunidade de se encadear, formando um fluxo obsessivo e opressivo. Eles atravessam a mente sem deixar vestígio, como o vôo de um pássaro que não deixa rastros no céu.
Esta prática consiste, portanto, em concentrar a sua atenção na própria raiva, em vez de fixá-la sobre o seu objeto. Em geral não conseguimos considerar nada além desse objeto, atribuindo-lhe um caráter intrinsecamente detestável e encontrado nele uma justificativa para a raiva. Mas se observamos a cólera em si, ela acaba por se dissolver sob o olhar interior. Pode ressurgir, é verdade, mas à medida que nos habituamos a esse processo de liberação, a emoção fica cada vez mais transparente e, com o tempo, a irascibilidade acaba por desaparecer.
Esse método pode ser usado para todas as aflições mentais; ele nos ajuda a construir uma ponte entre o exercício da meditação e as nossas ocupações cotidianas. Uma vez acostumados a olhar para os pensamentos no momento em que surgem e a permitir que eles se dissipem antes de dominarem a mente, tornar-se-á muito mais fácil permanecer no controle da situação e gerir as emoções conflituosas no seio da nossa vida ativa. Para estimular a nossa vigilância e o nosso esforço, devemos tentar lembrar-nos do amargo sofrimento que as emoções destrutivas nos infligem.
USAR AS EMOÇÕES COMO CATALISADORES
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