segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O despertar

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Quando despertei, o Sol brilhava lá fora e os pássaros cantavam no arvoredo. Eu não lhes saberia explicar a sobrevivência do princípio espiritual que habita o corpo dos pássaros e dos animais em geral. O certo, porém, é que a dimensão espiritual onde me encontrava não era destituída da presença deles. Algumas espécies de pássaros, animais e plantas eram extremamente parecidas com as da Terra; apenas não observei na colônia que me acolhera, após a morte do corpo, a existência de répteis e insetos.
As moscas, que tanto me atormentavam em meus achaques de velho (eu dizia aos amigos que acendia um cigarro atrás do outro com o propósito de espantá-las), não existiam por ali. Posteriormente, eu haveria de encontrá-las nas regiões espirituais das camadas concêntricas mais próximas do orbe. Retomando o pensamento que me embalara o sono na noite anterior, eu me sentia mais encorajado. Do ponto de vista intelectual e moral, eu estava me sentindo uma nulidade; olhando para dentro de mim, quase nada encontrava que me desse sustentação. A ilusão que criamos e que os outros nos ajudam a alimentar a respeito de nós mesmos é uma coisa pavorosa! Eu, infelizmente, acabei acreditando que era um psiquiatra famoso, autor de muitas obras, polemista destemido e sem papas na língua, que estimava criticar a Igreja e seus sacerdotes. De repente, passou-me pela cabeça, de relance, como que querendo ficar comigo, o pensamento de que se eu, o grande Inácio estava me vendo naquela situação, como não deveriam estar se arranjando os padres, depois da morte. Confesso-lhes que não pude conter certo sorriso em meus lábios; no entanto procurei depressa afugentar aquelas idéias: a minha paz não poderia se alicerçar na infelicidade alheia; eu estava numa situação de precariedade, para me vangloriar do que quer que fosse. Decepcionado, pois, afinal de contas, as estradas do Mundo Espiritual não se abriram para mim, conduzindo-me às estrelas, conforme quase todo espírita espera e acha que merece, concluí que, de fato, eu deveria me submeter à realidade e aceitar que eu não passava de um homem comum. Este, sem dúvida, é um dos maiores problemas que enfrentamos no Além-Túmulo: convencermo-nos, convencermo-nos sinceramente de que nada somos.
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Inácio ferreira em "O outro lado do espelho"  escrito por Carlos Bacelli

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