sábado, 19 de janeiro de 2013

A Melodia do silêncio

Um jornalista perguntou a Madre Teresa:
- "Quando você reza, o que você diz a Deus?"
Ela disse: - "Eu não falo, escuto."
O jornalista, então, perguntou: - "E o que Deus diz a você?"
Madre Teresa respondeu: - "Ele não fala. Ele escuta.
E se você não pode compreender isso, não posso lhe explicar..."

Som organizado é música, desorganizado, barulho.

O silêncio interior, ao contrário do que muitos pensam não é vazio, tedioso ou deprimente. É uma freqüência sutil que expande experiências. O desafio é acessar essa freqüência, é ouvir o som do silêncio. A melodia divina que existe em cada ser só é possível ser ouvida quando o diálogo interior cessa. Mas nossa mente dualista só percebe o silêncio no contraste com o barulho ou em sua ausência, assim como só percebemos o repouso em contraste com o movimento.

"A gente inventa o repouso para melhor entender o movimento e inventa o "uma vez"... para mostrar apenas que o tempo flui, que o eterno é o real."
Santo Agostinho
Quando começamos a praticar meditação, é comum procurarmos ambientes especiais, músicas e tudo que possa facilitar o processo do "desligamento" da mente racional. É claro que quanto maior a serenidade do ambiente externo, mais fácil será o encontro da paz interior. Mas na maioria das vezes esse almejado exterior harmônico e silencioso ficará apenas no plano dos desejos, já que o mundo atual está cada vez mais barulhento, agitado, e encontrar um espaço onde o silêncio predomine chega a ser quase uma utopia.
Por isso, antes de buscarmos um ambiente silencioso, precisamos adaptar nosso ser ao ambiente que possuímos no momento. Podemos dizer que de nada adianta tentarmos adaptar a natureza a nós, nós é que temos que nos adaptar a natureza.
Com a prática, a meditação pode e deve ser feita em qualquer local: silencioso, barulhento, iluminado, escuro, frio ou quente. Esse é o objetivo. Enquanto procurarmos "condições ideais" de sons temperatura, iluminação, etc., estaremos sempre dependentes de uma realidade externa que não estará nenhum pouco preocupada em atender às nossas exigências.
O cachorro late, a criança chora o telefone toca, o carro buzina. Se interrompermos nossa meditação a cada ruído externo, nunca acessaremos a plenitude da prática. Tão pouco, se brigarmos com o som incômodo, apenas criaremos uma tensão desnecessária - passaremos o tempo todo dando importância exclusiva ao "barulho incômodo" tentando não ouví-lo ou reclamando da sua existência.

Q
uanto maior o destaque que dermos ao barulho, mais fortalecido ele ficará e ocupará todo o nosso ser, que ficará tentando desesperadamente livrar-se dele 'fazendo de conta' que ele não está ali e, às vezes, mesmo quando o som desaparece, continuaremos a ouví-lo!
Em meditações em grupo, é comum que se uma das pessoas presentes tem uma crise de tosse por alguns minutos, as outras continuem ouvindo a tosse até o final, terminando a meditação com a certeza de que "alguém tossiu o tempo todo". 
A tosse ecoou apenas porque foi dada excessiva importância a ela, o que fará com que a prática da meditação acabe surtindo um efeito inverso - ao terminarmos estaremos irritados e frustrados, culpando o exterior pelo "fracasso" da tentativa.
O interessante é que não são apenas os sons "desorganizados" ou ruidosos que podem nos perturbar. É comum que algumas pessoas busquem o silêncio em locais isolados, montanhas, praias, templos, e ao sentarem-se para meditar um insistente passarinho comece a piar, o vento a 'cantar' e o que poderia ser uma melodia agradável transforma-se num empecilho irritante.
É importante entendermos que durante a meditação passamos por estágios que podemos identificar da seguinte forma: quando estamos ainda na superfície, tentando atingir um espaço mais profundo, nossa sensibilidade auditiva aumenta de tal forma que se um alfinete cair na sala ao lado, ouviremos o som como um estrondo, causando susto e irritação. Essa é uma das fases mais delicadas, pois mesmo os sons mais sutis ou até agradáveis incomodam, desestabilizando o equilíbrio e nos trazendo de volta à superfície. Quando ultrapassamos essa fase, chegamos ao estado almejado, onde mesmo conscientes, não filtramos som algum individualmente, já que todos os sons estarão integrados, fazendo parte de uma mesma melodia. Neste estágio não identificaremos sons específicos, como o espirro de alguém que estiver ao nosso lado, um telefone distante ou mesmo sons naturais do ambiente. Todos os sons integrados passarão a gerar uma vibração coerente, afinada, já que este é o estado da nossa energia no momento, ao qual chamamos de "coerência energética". Para chegarmos a esse estado, que fará com que consigamos meditar em qualquer ambiente e circunstância, precisamos exercitar essa forma de ouvir e perceber o mundo.
Ouça todos os sons como se fossem mantras
Veja todos os seres como se fossem Budas
John Blofeld
Todo som pode ser um mantra desde que você saiba como ouví-lo. O segredo é ouvirmos com plena atenção todos os sons que nos cercam, sem julgamentos, sem interpretações, sentindo que os sons simplesmente escorregam para dentro dos nossos ouvidos, fazendo de todos os sons presentes um fundo musical para a nossa prática. 
O exercício a seguir pode ser feito em qualquer situação e facilitará demais esse processo.
"O som é silêncio, o silêncio é som. Todo som dissolve-se em silêncio, o silêncio tende a manifestar-se em som. Toda música não passa de uma sucessão de impulsos que convergem para um ponto definido de repouso." 
Igor Stravinski'
EXERCÍCIO PARA ACESSARMOS A MELODIA DO SILÊNCIO

Sente-se em qualquer lugar: em sua casa, no carro, no ônibus, num escritório, etc. Feche os olhos e respire. Leve a sua atenção no início ao ritmo da sua respiração e aos poucos comece a prestar atenção em todos os sons produzidos pelo ambiente. Desfrute ao máximo cada um deles. Assimile a intensidade e o ritmo de cada um, sem que a sua mente analise, compare, julgue. Apenas ouça, deixando que o som escorregue para as portas abertas que agora são os seus ouvidos. Deixe que os sons entrem no seu cérebro, envolvendo todo o seu ser. Misture-se a eles e sinta o prazer de vibrar na mesma sintonia dos mais diversos sons, dos mais diversos ritmos.
Sem a condução da sua mente, você poderá ouvir e assimilar cada som, fundindo-se com eles, brincando com essa leve e divertida experiência. As vozes diferentes, estridentes e suaves, o som das portas quando são fechadas, as torneiras abertas, a intensidade dos motores do carros, aviões e helicópteros... como é rico em melodia nosso mundo! Deixe que assim a meditação aconteça espontaneamente.
Aos poucos desfrutaremos realmente a experiência e poderemos transformar todos os sons em mantras e todos os seres em Budas!

post em "Portal Arco Iris"

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