Afinal, se quisermos compreender
algo, temos de estar num estado de passividade. Não se pode ficar pensando
nesse algo, questionando-o, especulando a seu respeito. Precisamos ser
sensíveis o bastante para recebermos seu conteúdo. È como acontece com uma
chapa fotográfica sensível. Se quero conhecer você devo estar passivamente
atento. Isso, certamente, não é uma questão de capacidade ou especialização.
Nesse processo, começamos a compreender a nós mesmos, não apenas as camadas
superficiais da consciência, mas também as mais profundas, que são as mais
importantes, porque é lá que estão todos os nossos motivos e intenções, nossos
medos, exigências e apetites, ocultos e confusos. No lado de fora, talvez
possamos mantê-lo sob controle, mas lá dentro eles estão em ebulição. Até que
eles sejam plenamente compreendidos por meio da conscientização, não poderá
haver liberdade, felicidade, inteligência.
Se formos cônscios, veremos que
nosso problema é descobrir se os conflitos e os sofrimentos de nossa vida
diária podem ser solucionados por outros e, se não podem, como é possível, para
nós, enfrentá-los. Compreender um problema requer certa inteligência, isso é
obvio, e essa inteligência não pode ser derivada de especialização, nem
cultivada por meio dela. È uma inteligência que surge quando estamos
passivamente atentos a todo o processo de nossa consciência, o que significa
estarmos cônscios de nós mesmos, sem escolha, sem dizer o que é certo e o que é
errado. Quando estamos em um estado de atenção passiva, vemos que, por meio
dessa passividade – que não é ociosidade, que não é sono, mas extrema lucidez
-, o problema tem um significado muito diferente. Isso significa que não há
mais identificação com o problema e, assim, não há julgamento ou condenação, de
modo que o problema começa a revelar seu conteúdo. Se formos capazes de fazer
isso constantemente, todos os problemas poderão ser resolvidos
fundamentalmente, não apenas de modo superficial. Essa é a dificuldade, porque
muitos de nós somos incapazes de atenção passiva, somos incapazes de ouvir a “história”
que o problema nos conta, sem tentar interpretá-la. Não sabemos como examinar
um problema de modo desapaixonado e imparcial. Não somos capazes disso, infelizmente,
porque queremos um resultado, uma resposta para o problema, ou porque tentamos
interpretá-lo de acordo com os nossos valores, o nosso prazer ou a nossa dor,
ou então porque pensamos que já descobrimos como lidar com ele. Desse modo,
abordamos um problema, que é sempre novo, usando um padrão antigo.
O desafio é sempre novo, mas nossa reação a ele é sempre
antiga, daí a nossa dificuldade em enfrentá-lo de modo adequado, isto é, de
forma completa. O problema é sempre um problema de relacionamento - com coisas,
pessoas, ou idéias -, não há outro, e para enfrentá-lo, com suas exigências
mudando constantemente, para atacá-lo de maneira correta, é preciso haver
atenção passiva. Essa passividade não é uma questão de determinação, vontade ou
disciplina. Estar cônscio de que não estamos passivos, de que estamos
interferindo, querendo determinada resposta para o problema, é o começo. Então,
quando começamos a conhecer a nós mesmos no relacionamento com o problema,
quando vemos como reagimos, quais são nossos preconceitos, exigências e buscas
em relação a ele, essa conscientização revela-se no processo de nosso próprio
pensamento, de nossa natureza interior, e, com isso, vem uma libertação.
O importante, naturalmente, é que
tenhamos uma conscientização sem escolha, porque a escolha traz conflito. Aquele
que escolhe está confuso, pois, se não estivesse, não escolheria. Só uma pessoa
que está confusa escolhe o que deve ou não fazer. O homem simples e de
pensamentos claro não escolhe, porque o que é, é. A ação baseada em uma idéia
é, obviamente, uma ação de escolha e, como tal, não é libertadora; pelo
contrario, apenas cria mais resistência, mais conflito, porque resulta dessa
idéia um pensamento condicionado.
O importante, então, é nos mantermos
cônscios em todos os momentos, sem acumular as experiências trazidas pela
conscientização, porque, no instante em que acumulamos, só nos conscientizamos
do que está de acordo com essa acumulação, com esse padrão, com essas
experiências. Nossa conscientização torna-se condicionada pelo que acumulamos,
de modo que não há mais observação, mas simplesmente interpretação. Onde há
interpretação, há escolhas; e escolha cria conflito, e no conflito não pode
haver compreensão.
A vida é uma questão de
relacionamento, e para que se compreenda esse relacionamento, que não é
estático, é preciso haver uma conscientização maleável, passivamente alerta,
não agressivamente ativa. Essa conscientização passiva não vem por meio de
nenhuma forma de disciplina ou prática. Trata-se de uma conscientização
constante de nossos pensamentos e sentimentos, e não apenas quando estamos
acordados. Vemos, à medida que nos aprofundamos, que começamos a pôr para fora
todos os tipos de símbolos que traduzimos como sonhos. È assim que abrimos a
porta ao desconhecido, deixando-o tornar-se o conhecido. Para encontrar o
desconhecido, porém, devemos passar pela porta, e essa é a nossa dificuldade. A
realidade não é algo reconhecível pela mente, porque a mente é o resultado do
conhecido, do passado, de maneira que ela precisa compreender a si mesma, compreender
o seu funcionamento, a sua verdade, para que o desconhecido possa existir.
enviado por minha amiga, Dra. Hélida
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