quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Atravessando o Portal do Tempo III

III
        “É melhor conhecer algumas das perguntas do que todas as respostas”.  
                                                       James Thurler

É de manhã. O sol surge através da cortina, avisando a chegada de um  novo dia.    
Clara levanta-se apressada enquanto olha o relógio..... dormiu demais e agora precisa correr para chegar à  clínica onde trabalha pelas manhãs.  Enquanto  dirige pelas ruas congestionadas, reclama do trânsito e se lamenta por viver numa cidade grande onde as pessoas chegam a alcançar níveis de stress tão elevados.
As lembranças do dia anterior chegam devagarinho como para não fazer barulho.
- Isto não pode ter acontecido comigo! Devo ter sonhado.
Passou pela sala de  espera onde  alguns pacientes  já aguardavam a  sua chegada e se preparou para as consultas.  A atendente entrou logo a seguir perguntando se podia mandar entrar o primeiro. Felizmente era um paciente antigo que vinha  trazer os resultados de exames que lhe havia pedido.
A manhã custou a passar.  A cada momento a imagem do “Irmão” surgia na sua mente. Finalmente terminou os atendimentos e saiu aliviada para a rua.
O encontro com aquele velho  a deixou fora do seu centro.  Sente-se como tivesse realizado algum trabalho  que exigisse um grande esforço físico. Telefonou para a assistente e pediu que desmarcasse as consultas da tarde.  Não tinha a menor condição de trabalhar, de ouvir as queixas dos doentes,  de dar-lhes a devida  atenção.   Sua mente estava ocupada com o que havia acontecido no dia anterior, não conseguia colocar as idéias em ordem. Na verdade, não sabia mais  se aquilo realmente aconteceu ou se  era fruto da imaginação. 

-  Preciso conversar com alguém mais experiente nesses assuntos. Que me ajude a pensar.  Lúcia... ela é minha melhor amiga.  É inteligente, sensata e  vive lendo  livros de ocultismo, de magia, de fadas e bruxas, de ervas medicinais.... É, ela capaz de me ouvir e ajudar  a analisar toda essa história sem julgar que estou ficando louca.
Dirigiu-se para casa de Lúcia, como fazia quando tinha um assunto importante a resolver e queria trocar idéias a respeito.
 - Ei! A que se deve esta surpresa em plena segunda- feira?  Já sei! Conheceu alguém interessante  no final de semana... Um, pela cara, a coisa é  séria. Faltar ao consultório para  conversar.. assim, com toda essa urgência!.... Não faz o teu tipo! Estou ficando preocupada. Vai, comece a contar!
- Você nem sequer pode imaginar o que me aconteceu ontem enquanto  caminhava na floresta.-  Nem me diga que encontrou alguém especial. Ah! conta logo!
-  Bem, na verdade  eu diria estranho... (falou deixando um clima de suspense no ar), e completou rindo...mas não no sentido que você está pensando. 
E narrou tudo que havia acontecido em seus mínimos detalhes.     
Enquanto falava o semblante da amiga, ia mudando de surpresa para apreensão, até um olhar bastante sério.
- E aí Lúcia?  Que me diz, não é uma doideira? Você acredita no que lhe contei, não acredita? Garanto que estava bem acordada, não foi um sonho!
- Calma , amiga!  Claro que acredito. Já ouvi casos semelhantes, mas com pessoas místicas. Acontecem  até com bastante freqüência. Mas com você, que prefere nem mesmo  falar sobre esses assuntos.....Realmente, não sei  o que dizer. O que me surpreende mais é saber que é você capaz de  sair assim, seguindo  alguém que não conhece, sem saber para onde vai....Hoje, mais que nunca, há necessidade de  cuidado, você sabe!  Além disso, não sabemos as intenções desse homem. Há muito maluco por aí. Mas sem dúvida,  esse encontro pode significar grandes  mudanças para você, amiga.  Talvez seja um amigo de outra vida, não sei....
- Lúcia, nem dormi direito, meu sono foi povoado de imagens estranhas.
- Olha, Clarinha, tenho lido  muito a respeito desses assuntos.  Já  tivemos oportunidade  de conversar sobre isso.  Existem livros fantásticos que falam desses temas como algo natural e cotidiano. Também tenho ouvido  relatos bem interessantes feitos por pessoas que merecem toda a credibilidade. Homens e mulheres que contam experiências pessoais ligadas à questão da paranormalidade, e mesmo até narrativas de contatos com seres invisíveis....
- Tudo bem, que essas coisas aconteçam com você que está em contato com  pessoas ligadas aos assuntos místicos. Mas eu?... .. Ai, amiga, não sei o que pensar,  acontecer isso, logo comigo?  Quando penso que saí assim, sem pensar nos riscos...., pareço uma  louca.  Você me conhece, sabe que não sou assim, pelo contrário, reconheço que sou  muito desconfiada.  Algumas vezes sou até cética demais!
-  Clara! Só nos resta esperar para ver o  que vai acontecer.  Imagino que no próximo domingo, você volta lá. Mas fique alerta. A  cada canto, surgem todos os dias, mestres e gurus falando de mudanças, trazendo falsas informações, jogando com a boa fé de pessoas que estão esperando a nova era, buscando o conhecimento. Esses charlatões vendem um pedacinho de céu  para os crédulos. Fazem uso do  misticismo, e o dos mistérios ocultos para levar vantagens.
- Esses infelizes desconhecem as Lei de Causa e Efeito. Esquecem  que  A semeadura é livre mas a colheita é obrigatória. A Lei da Justiça cairá sobre eles, com certeza.
Clara não sabia mais se queria voltar ao bosque.  Vamos que o velho volte! Tinha receio de não saber o que fazer caso ele olhasse daquele jeito. Parecia que ele a  hipnotizara.
De repente, olhou para a amiga com mais atenção e disse:
- Lúcia você mudou tanto nos últimos tempos... Me faz bem conversar com você.  Me deixa mais tranqüila. Seu jeito de falar me passa serenidade. Está até mais bonita!
- Acho que tem razão, estou-me sentindo bem. Parece que encontrei   o meu  caminho. Abençoado aquele dia em que  conheci o esoterismo e o grupo ao qual pertenço agora.  Lembra-se quando comecei? Logo depois de fazer a regressão. Já não sabia mais o que fazer com as horríveis crises de bronquite e resolvi procurar ajuda com uma Terapeuta de Vidas Passadas. Uma professora da Faculdade me indicou a Marta, ela é ótima, e em duas sessões encontrei a explicação da doença. Nem gosto de lembrar quanto sofrimento poderia ter sido evitado se tivesse  procurado esse caminho mais cedo.  Mas graças a Deus, estou livre daquele tormento!
- Sim, Lúcia mas você deu sorte. Encontrou uma  profissional competente, bem preparada. Há cada coisa por aí... conheço um bom número de pessoas que leram sobre o assunto e se dizem  “Terapeutas de vida passada”. É um risco!
- Isto é verdade, mas em todas as profissões há gente séria e os de má fé. Não é só nesta área.  É preciso escolher bem, afinal é uma coisa muito séria, isso de fazer regressão com qualquer um.  Dei a maior sorte. Cheguei até a origem de boa parte dos meus sofrimentos e dificuldades e ainda fui convidada para o grupo espiritualista que Marta frequenta. Sou ou não sou uma mulher de sorte? 
Riram do jeitinho maroto de Lúcia falar.
- Clara, estou pensando em  fazer um curso de Especialização em vidas Passadas. Estou encantada com o resultado que obtive e quero poder oferecer isto aos meus clientes. Vai enriquecer e facilitar muito o meu trabalho de Psicóloga. Estou aguardando o início do  próximo curso. Vamos?  
- Não sei, Lúcia.  Tenho que pensar. Estava pensando em Acupuntura...  Prometo pensar com carinho. Esse assunto me atrai muito. De repente...
- Vamos sim, Clara... Você vai gostar! E pode ajudar melhor os seus pacientes. Para mim foi ótimo, esse tratamento  foi o ponto de partida para a virada. Foi a partir daí que mudei o  meu foco, passei a ver a vida como um grande presente de Deus. Tudo mudou quando comecei a me conhecer. Depois disso também encontrei o caminho espiritual.- Fui encaminhada por Ele para um espaço esotérico muito bom.  Já aprendi  tantas coisas...   conhecimentos que nem imaginava existir. Mas o estudo é eterno, infinito. Quando começo a achar que sei muito, porque entendi algo, vejo que nada sei. Sei que tenho muito que caminhar, mas o importante é que o primeiro passo já foi dado. Se com esse pequeno passo, como você mesmo percebeu,  minha vida já mudou tanto, imagine o que me espera.
Parou de falar por alguns minutos, ficou pensativa como se quisesse arrumar a s idéias e continuou:
- Isso que me contou..., os sonhos, o encontro com esse velho...o  que vem acontecendo com você, me parece que são fatos  perfeitamente normais . Vamos esperar para ver o que vem por aí?
 Neste ponto da conversa, Lúcia dá uma sonora gargalhada.
-  Lembra-se como eu era avoada? Começava uma Faculdade e logo mudava. Tentava outra e outra.... nada me agradava. Não  sabia o que queria! Você  mesma dizia sempre que eu precisava criar uma meta, descobrir onde queria chegar....Ter uma profissão, estabilidade emocional, independência financeira... E você tinha razão. Sempre foi mais centrada e equilibrada que eu.  Sempre quis  fazer  medicina e levou a sério  todo o curso.  Só não  entendi porque resolveu deixar a cardiologia e resolver fazer clínica geral. Sempre disse que queria ser médica do coração... Eu não.  Não agüento lidar com sofrimento o dia todo.  Deus me livre! Trabalhar em hospital, não dá!
 - Você está certa,  cada uma com sua aptidão. O que é bom para mim,  não tem que forçosamente ser bom para você. Importante que esteja feliz. E isto não se pode negar, você gosta do que faz. E faz bem!
- Gosto.  Gosto muito.  Faz-me bem ver a pessoa sair do consultório aliviada, como se houvesse tirado um grande peso de cima dela. Fico tão feliz saber que de alguma maneira estou ajudando as pessoas Não como você, que receita um medicamento e pronto,  já alivia a dor.  Mas de um modo diferente, ouvindo a pessoa que vem se queixando de dores mais profundas....ajudando a pensar, a clarear as idéias.
- Amiga, o trabalho do Terapeuta é esse: ouvir o relato do cliente, pegar tudo que ele trás, colocar tudo em ordem,  e depois devolver esse material  para que ele o veja com novo significado.   Olha, tive um Professor que insistia em dizer que a escuta é ponto mais importante da terapia. Posso ver agora, o quanto ele estava certo.   É fundamental que o terapeuta  saiba escutar.  O resto é consequência....,  é um trabalho muito bonito. Olha, você nem imagina o quanto isso me dá  prazer!   Realizar esse trabalho  me faz sentir útil e satisfaz minhas necessidades materiais, graças a Deus...
- É muito legal fazer o que gosto e ganhar o suficiente para viver razoavelmente bem.  Você sabe que detesto depender de família, nunca gostei. Muito menos de homem! Mas também se quisesse, ia ficar difícil, não aparece ninguém legal...Mas chega de falar de mim... Voltamos ao  encontro com o seu amigo do bosque. Que pensa exatamente fazer?
- Ainda não sei.  Preciso pensar.  E os tais gestos com os dedos? Devo fazer,  como ele falou?
- Nem sei  responder, minha amiga. Só mesmo você  pode decidir.
As duas sabiam que esta decisão podia mudar o rumo de Clara, ela mesma  tinha que traçar seu caminho.
Ficaram em silêncio até que Lúcia se levantou e puxou a amiga pela mão.
-  Que tal uma sopinha? A conversa me deixou com fome. Vamos aquecer a sopa de legumes que está uma delícia. Sei que não tem o hábito de  tomar sopa, mas é a alimentação  ideal para a noite.
- Até que  gosto, mas dá muito trabalho cortar e picar aquele montão de legumes e folhas, como você faz.  A gente acostuma ao mais pratico e  um hambúrguer e um copo de refrigerante é bem mais prático.  Mas estou querendo mudar os hábitos alimentares.
- É impressionante como comemos mal, responde Lúcia. Nosso povo não recebe nenhuma educação alimentar, vamos ao mais fácil, rápido e barato. Nem imagina quanto custei para  me adaptar aos novos hábitos na alimentação.... Mas foi a primeira coisa que aprendi quando comecei a freqüentar  o grupo. Nossa! Como isto mudou a minha vida.  Até meu humor, o temperamento....Agora quando faço as compras, tenho cuidado com a qualidade, prefiro legumes e verduras sem agrotóxicos.....Mesmo sendo um pouquinho mais caras, vale a pena. Prazo de validade? Antigamente  nem olhava, agora é a primeira coisa que procuro.  Congelados agora não entram aqui. Prefiro comida natural e  bem fresquinha.
- Quem te viu, quem te vê!  Você tendo  todos esses cuidados!  Mas é claro que você tem razão. Todos sabem que inúmeras doenças estão relacionadas com maus hábitos alimentares. E o mau humor também!
-  Mas você disse que não entendeu porque decidi pela clínica ao invés de cardiologia, mas na época te falei mais ou menos a razão. Olha só:   Estava já decidida pela cardiologia, quando fui assistir a um Congresso em São Paulo. Os novos rumos da medicina. No último dia,  conheci  um médico muito simpático,  Dr. Rinalde. Postura muito séria e objetiva, gostei dele.  Era Professor de uma conhecida Faculdade.  Almoçamos juntos e trocamos  opiniões a respeito do que estavam apresentando  lá. As colocações dele, me tocaram de tal modo, que  mudei o rumo da minha vida.
- Veja que interessante:  Ele é dono de uma Clínica conhecida, muito bem sucedida e alguns anos atrás ele  foi procurado por uma mulher que sofria terrivelmente de enxaqueca. Ela já havia tentado outros médicos e ninguém a curava. Depois de meses sem obter resultado satisfatório, e já ter esgotado todos os recursos que a medicina convencional oferecia sem poder ajudá-la, ele resolveu procurar  um velho amigo,   um conhecido homeopata  para discutir o caso. Este lhe sugeriu que procurasse um  médico herborista que vinha  conseguindo excelente resultados  com a  utilização de medicamentos feitos à base de ervas. Ele aceitou a sugestão e fez contato com o tal médico,  encaminhando  a cliente para ele. Ela iniciou o tratamento e em pouco tempo já apresentava  melhoras significativas,   realmente foi um  sucesso.
- O Doutor Rinalde ficou  tão impressionado que passou a se  interessar  pelas pesquisas que estavam sendo feitas nessa área e  seguiu ele também esse caminho, associando as Terapias Alternativas à Medicina  Tradicional.  Algum tempo depois fez a especialização em homeopatia.    
- Bem interessante! – respondeu Lúcia, sempre atenta ao relato da amiga.
 - Depois desse encontro,  mudei minha perspectiva em relação às possibilidades oferecidas pela medicina. Iniciei eu mesma uma pesquisa séria a respeito da Medicina Alternativa e conheci pessoas muitos sérias nessa área de atuação.  Na verdade, passei a aceitar uma metodologia que antes negava ser eficiente. E em vez de cuidar  das doenças cardíacas, resolvi cuidar do corpo todo. Estou pensando, mesmo, em  voltar ao Japão, agora para aprofundar os estudos e quem sabe, fazer acupuntura.
-  Parece que esse doutor Rinaldi fez-lhe muito bem.
- Sabe? Hoje está claro que essa idéia de ser cardiologista, estava relacionada com a morte de minha mãe. Cresci ouvindo a vovó falar que seu coraçãozinho não agüentou quando nasci, essas coisas... É muito fácil uma criança registrar culpas, e mesmo num nível inconsciente, devo ter acreditado ser a responsável pela morte de mamãe. Sei lá.. O Doutor Rinaldi  conversou muito comigo e parece que lavou minha alma. E mostrou algo que eu  ainda não havia percebido. Que a Medicina tradicional tem algumas falhas sérias. As especializações médicas, pior ainda , porque levam em conta os detalhes, mas perdem a totalidade,  perdem  de vista,  o homem como um todo. Veja, o  sintoma atrai a atenção do médico para determinada área do corpo, para este ou aquele órgão. Mas essa dor pode estar mascarando inúmeras doenças mais ou menos graves, como sabe. Dor no peito? Quantas vezes a razão está distante do coração? Claro que  o Especialista é importante, mais que isso, é fundamental! Mas nesses casos podemos encaminhar o paciente, conforme a sua necessidade. Esse profissional conhece melhor as  partes e nós, os clínicos, tentamos conhecer o homem como um todo. 
- Na verdade, é o princípio da Homeopatia. O que  Rinalde falou me fez perceber  que não há   um fígado ou qualquer outro órgão doente, mas sim um ser em desequilíbrio. Apenas isso. E ganhei um bom amigo, a quem posso recorrer em situações que necessite de alguma orientação mais específica.
- Gostei tanto de conversar come ele, e seu discurso me tocou de tal maneira, que na  hora mudei  meus planos.  E não me arrependi, pode estar certa.  Depois disso conheci outros  colegas  que pensam de maneira bem semelhante. Estou certa que é por aí mesmo. É preciso estar aberta para ouvir as experiências e descobertas da  Medicina Chinesa, Indiana, ou de qualquer outra que nos ofereça mais recursos.
- É verdade, Clara! Veja a acupuntura....está aí, com força total. Eu mesma conheço muitos médicos de excelente reputação que aprenderam a técnica e agora a estão adotando em seus consultórios.
- Isso mesmo! Eu mesma tenho casos de pessoas que não respondem aos medicamentos de forma satisfatória e lhes  indico  colegas que praticam acupuntura.  Os resultados são ótimos. É isso que eu quero! Ajudar meus pacientes. Olha, todos os instrumentos devem ser pesquisados e utilizados se for comprovado sua eficiência. Afinal o objetivo da  Medicina é aliviar a dor e os sofrimentos do  paciente, ou não? 
Calou-se durante alguns minutos como se arrumasse as idéias enquanto a amiga colocava os pratos sobre a mesa, e continuou como se falasse para si mesma:
- A Medicina está sempre enfrentando desafios, isto faz com que evolua, mas ainda há  muito a fazer. Novas doenças são descobertas todos os dias e outras que pensamos já haver erradicado, voltam com força destruidora. Isso requer mais tecnologia e mais recursos....
- Nós não mudamos? – falou com um sorriso misterioso.
- É preciso acompanhar esse movimento, senão ficamos para trás.  Mas vamos tomar a sopa, está deliciosa!
A conversa tomou novos rumos.  Lembranças  da adolescência, de amigos que se perderam no tempo, professores, e  da própria vida.

Quando entrou  em casa, já passava da meia noite. Era sempre assim quando encontrava a amiga. Ela sempre foi uma pessoa divertida,  alegre mas,  ultimamente, era mais que isso. Parecia estar  sempre de bem com a vida.  Clara não. Era mais introvertida, comedida...desde criança. Mesmo com  as pessoas mais íntimas, preferia mais ouvir do que falar.  Mas isso não impedia demostrar a simpatia que fazia dela uma pessoa querida e respeitada. Todos gostavam dela, apesar do temperamento introspectivo.
Deu uma ajeitada nas almofadas sobre o sofá, trocou a água da jarra sobre a mesinha do centro da sala, onde as rosas vermelhas se abriam, mostrando  sua beleza e toda a perfeição da natureza. A casa está bem limpa e arrumada. Quando a avó morreu, Clara manteve a empregada, Dona Nilza, que já trabalhava com elas à mais de dez anos. Apenas reduziu sua vinda a  quatro dias na semana. Sozinha,    não  necessitava de seus serviços diariamente.  Raramente recebia visitas e  quase não parava em casa, da  clínica para o consultório, de lá para cursos de atualização. Um cineminha ou teatro de vez em quando... realmente  não precisava  dela todos os dias. A casa estava sempre em ordem, roupa nos armários e a comida pronta ou adiantada.  Ainda assim, Clara gosta de  dar o seu toque no ambiente. A casa dela tem que ter a cara dela, como costuma dizer.
Quando olhou ao redor e deu-se por satisfeita, foi à cozinha e pegou um copo de água,  dirigindo-se  para o quarto de dormir.
Logo se  acomodava debaixo  do edredon macio, mas ainda se lembrou da amiga recomendando, mais uma vez,  máxima  cautela com essa história do velho.

Acordou cedo, mas bem disposta.
- Bom dia, dia! Desde menina saudava o novo dia.  Aprendeu com a avó.  Ela dizia que era uma forma de agradecer a Deus pelo novo dia. Nada como uma boa noite de sono!
Saiu para o trabalho sem sequer lembrar do velho do bosque.
Tantas coisas a fazer,   algumas visitas a clientes hospitalizados ...
O tempo que sobrava era todo para estudar. Havia muito a aprender,  técnicas novas que queria conhecer melhor.
O tempo voou e assim, quando viu, a semana havia terminado.
Essa questão do  tempo é bastante interessante. Alguns dias voam enquanto outros se arrastam minuto por minuto. Quando a lembrança do velho surgia, ela a afastava decidida a não pensar no assunto. E naturalmente, não fez os gestos que lhe ensinou.
À noite ligou para a amiga Lúcia.
- Graças a Deus esta semana foi tranqüila. Fiquei preocupada com a possibilidade de  sonhar novamente com aquelas figuras  estranhas.
-  Que bom! E ai?  Resolveu se vai caminhar amanhã?
- Claro  que vou.  Não vou modificar meus hábitos por causa dele.  Além disso, quem me garante que ele vai aparecer por lá?
- Se não tivesse compromisso, eu iria com você.
- Não se preocupe, estou bem tranqüila. Pensei em chamá-la para andar um pouco,  mas  lembrei que aos  domingos você costuma ter    aqueles  encontros com o grupo de estudos, não é isso?  Olha! Uma hora dessas, se me convidar, vou com você.
- Nem acredito! Você nunca quis me acompanhar, por mais que a chamasse.  Pensei até que tivesse  algum tipo de preconceito em relação a esses assuntos.  Não insisti porque respeito a filosofia e a religião de cada um. São assuntos que não se discutem. Mas se está disposta a me acompanhar, vou consultar o grupo sobre isso. Tenho certeza que vai gostar. E as pessoas são ótimas, tão amigas...
- Então fica combinado. Depois voltamos a falar sobre isso. De repente vou gostar mesmo!
Esta noite custou a adormecer. Os pensamentos não paravam. E se ele aparecer?  Como se comportar?
- Se me chamar de novo para a gruta, não vou, mas não mesmo!   Bom, já que ele pode ler meus pensamentos vai saber que não fiz nada daquilo que me ensinou.
Lembrou-se do gesto. A curiosidade falou mais alto e encostou o dedo indicador da mão direita no da esquerda. Só para ver o que acontece, pensou meio sem graça. Nada. Prestou bastante atenção, ficou bem quieta  para ver se acontecia alguma coisa. Nada, não aconteceu absolutamente nada. Ficou decepcionada. Não teve coragem de levá-los à testa. E se  ele aparecesse  ali?  Riu de si mesma, sentindo-se ridícula, quando esse  pensamento  lhe passou pela cabeça. 

continua... 

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