Sombra e luz, escuridão e claridade. Essa realidade dupla forma o interior do ser humano, que tenta negar-se a cada dia, enganando-se. A maioria das pessoas quer ser apenas luz. Recusam-se a identificar a sombra que faz parte delas. Religiosos, de um modo geral, falam de um lado sombrio, diabólico, umbralino, como se esse lado escuro fosse algo externo, ruim, execrável. Até quando negar a realidade íntima? Até quando adiar o conhecimento do mundo interno? Várias tentativas foram realizadas para conscientizar o homem terreno de que as chamadas trevas exteriores são apenas o reflexo do que existe dentro dele.Luz e sombra são aspectos internos do ser e não representam necessariamente um lado ruim e outro bom. A sombra não é pior do que a luz. Apenas faz parte de um equilíbrio universal ainda necessário para a visão do homem terrestre. São dois pólos de uma verdade interna, mais profunda.
A sombra representa um aspeto transitório, porém necessário para o ser reavaliar-se ante os apelos da vida e as lutas que o fizeram ser o que é. Essa transitoriedade em qualquer plano da vida é uma etapa de aprendizado, adaptação, revisão dos valores adquiridos em lutas e desafios na grande jornada interna, pessoal, íntima. Portanto, viver esse lado de forma mais plena, conhecer-se mais profundamente, enfrentar-se sem mascarar-se talvez seja um caminho mais excelente — parafraseando o apóstolo Paulo — do que aquele que as religiões do mundo vêm oferecendo e que se reflete em fugas da realidade.
Quando é proposta a realização de uma excursão aos domínios das sombras, espera-se que haja coragem para admitir que esse reino obscuro tem sua raiz dentro do próprio ser humano. Ele não existe à parte ou em separado. É preciso reconhecer que a natureza do plano astral, da paisagem extrafísica é apenas a exteriorização do mundo íntimo de cada um. Dessa forma, não há como descortinar a realidade do astral inferior sem enfrentar-se, sem encontrar a si mesmo, em seu lado sombra, escuro e muitas vezes renegado.
Esse mundo de trevas e escuridão é algo muito enraizado no ser humano; não é realidade extra-humana, mas intra-humana. Se você evita conhecer-se, rejeitando que é simultaneamente sombra e luz, não há razão para prosseguir nesta jornada de descobrimento interno.
Adentrar o umbral ou o astral é se obrigar a penetrar na própria sombra. Conhecer as estruturas internas das falanges do mal é, sobretudo, conhecer a própria capacidade de esparzir escuridão em si e em torno de si. Descer aos domínios das trevas e tomar conhecimento de seus métodos, de suas falanges,
de sua força talvez seja uma forma de se revelar — trazer à consciência a própria realidade. Admitir-se, sem culpas e sem máscaras.
O passado humano é fixo e dependente de conceitos religiosos deturpados e castradores, que foram amplamente difundidos e ainda estão arraigados no psiquismo, mesmo naqueles que afirmam rechaçar atualmente qualquer crença. Isso faz com que o ser humano, principalmente aquele mais apegado às questões religiosas, negue a verdade de sua sombra. Para muita gente, somos apenas luz. Quem sabe tal atitude seja uma tentativa de multiplicar as máscaras que trazemos incrustadas na face do espírito? Devido ao passado de ignorância, alimentada pela religião secular, ortodoxa e detentora do monopólio
cultural, infundiram-se no ser humano certos símbolos das sombras, que representam conceitos moralistas de erro, pecado e desequilíbrio. São mecanismos que agem nas matrizes do pensamento, no inconsciente1.
texto do livro "Legião" , de Robson Pinheiro e o Espírito Angelo Inácio
_______________________________________________________________
1 - O próprio Allan Kardec, codificador do espiritismo, em diversos momentos alertou sobre as consequências nefastas da religião quando vista e difundida sob o ângulo do dogmatismo, responsabilizando os adeptos que assim procedem até mesmo pela incredulidade alheia: "A resistência do incrédulo, devemos convir, muitas vezes provém menos dele do que da maneira por que lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base, base que é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. E, para crer, não basta ver; é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é deste século [séc. XIX], tanto assim que precisamente o dogma da fé cega é que produz hoje o maior número dos incrédulos, porque ela pretende impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio. É principalmente contra essa fé que se levanta o incrédulo, e dela é que se pode, com verdade, dizer que não se prescreve. Não admitindo provas, ela deixa no espírito alguma coisa de vago, que dá nascimento à dúvida. A fé raciocinada, por se apoiar nos factos e na lógica, nenhuma obscuridade deixa. A criatura então crê, porque tem certeza, e ninguém tem certeza senão porque compreendeu. Eis por que não se dobra. Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade"
(KARDEC,Allan. O Evangelho segundo o espiritismo, ed. FEB, 1944).
Nenhum comentário:
Postar um comentário