by José Batista de Carvalho
Na
hora mais sossegada da noite, quando eu me encontrava meio adormecido,
meus sete Eus sentaram-se e assim conversaram, em sussurro:
Primeiro
Eu: Aqui, neste louco, tenho habitado todos os anos, sem coisa alguma a
fazer senão renovar sua dor durante o dia e distrair sua tristeza à
noite. Não posso suportar mais tempo meu fado e agora me rebelo.
Segundo
Eu: Tua sorte é melhor que a minha, irmão, pois fui incumbido de ser o
Eu alegre deste louco. Rio suas risadas e canto suas horas felizes, e
com és de três asas danço seus mais brilhantes pensamentos. Eu é que
devo rebelar-me contra minha fatigante existência.
Terceiro
Eu: E que direi eu, o Eu do amor, o tição inflamado de bárbaras paixões
e fantásticos desejos? Sou eu, o Eu doente de amor, que me revolto
contra este louco.
Quarto
Eu: Entre vós todos, sou o mais infeliz, pois nada me foi dado senão
abominável ódio e aborrecimento destruidor. Sou eu, o Eu tempestuoso, o
único nascido nas negras cavernas do Inferno, que devo protestar por
servir este louco.
Quinto
Eu: Não. Sou antes eu, o Eu pensante, o Eu fantasista, o Eu da fome e
da sede, o único fadado a vagar sem descanso à procura de coisas
desconhecidas e de coisas ainda não criadas. Sou eu, não vós outros, que
devo revoltar-me.
Sexto
Eu: E eu, o Eu trabalhador, o lastimável obreiro, que, com mãos
pacientes e olhos ansiosos, afeiçoo os dias em imagens e dou aos
informes elementos formas novas e eternas, sou eu, o solitário, que devo
rebelar-me contra este louco sem repouso.
Sétimo
Eu: Como é estranho que vós todos vos revolteis contra este homem por
ter cada um de vós um destino determinado a cumprir. Ah, fosse eu como
um de vós, um Eu com um destino determinado! Mas não tenho nenhum, sou o
Eu sem ocupação, o que se senta calado e vazio em lugar algum e tempo
algum, enquanto estais ocupados recriando a vida. Sois vós ou eu,
companheiros, quem se deve revoltar?
Quando
o sétimo Eu assim falou, os outros seis olharam-no com pena, mas não
disseram mais nada. E, enquanto a noite ia ficando mais profunda, um
após o outro foram adormecendo, envoltos numa nova e feliz submissão.
Mas o sétimo Eu permaneceu acordado a olhar para o nada, que está atrás de todas as coisas
Khalil Gibran
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