terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Atravessando o Portal do Tempo V

V            “Tudo que está atrás de  nós e adiante de nós   não tem a menor       
    importância, comparado com o que está dentro de nós”.
                                                               
                                                                                      Oliver Holmes

Clara nunca tinha visto um lugar assim, tão bonito e florido. Havia flores por todos os lados.  A maioria eram cor de rosa, mas muitas passavam por todos os  matizes do rosa até o vermelho. Parecia um grande jardim sem fim.  Seu vestido  cor rosa-pêssego e tecido muito leve, como uma espécie de seda ou crepe, ia até os pés. Caminhava por entre as alamedas de flores, como se  estivesse flutuando, quase sem tocar o chão. Logo  estava no bosque, correndo entre as árvores que já conhecia bem. Dirigiu-se para o lugar que mais  gostava, a clareira da araucária.  Uma   surpresa a aguardava.
Ao redor da clareira  brincavam pequeninos seres. Eram  muitos e de aparência estranha. Vestiam roupas esquisitas, lembrando os anões da Branca de Neve. Formavam um grande círculo que ocupava toda a clareira e alguns tocavam flauta alegremente.  Aliás, na verdade, todos demonstravam estar muito, muito alegres. Clara estava como que hipnotizada com o que via. Apesar de esquisitos, os homenzinhos não pareciam oferecer qualquer risco, e ela foi se aproximando devagarinho, tentando  não a chamar atenção deles. Foi inútil o seu cuidado. Logo se viu puxada para dentro do círculo e obrigada a brincar e dançar com eles.
Sentia-se como uma criança...absolutamente  livre. Corria, pulava, não havia qualquer diferença no comportamento dela e daqueles seres.  De repente um deles começou a catar pequenos arbustos, pedacinhos de troncos ou galhos caídos pelo chão. Alguns o imitaram e logo havia no centro do espaço um bom monte de lenha. Então o que parecia ser mais velho e líder do grupo se aproximou, e com alguma coisa que tinha na mão, acendeu uma pequena fogueira. Depois levou uma espécie de flauta à boca, emitindo um som estranho, e imediatamente os outros que estavam mais distantes, brincando, vieram como se atendessem a um chamado.
Todos estavam agora, sentados em círculo, ao redor da fogueira. De repente, levaram as pequenas mãos à testa, à cabeça            e ao peito e depois se curvaram diante da fogueira dizendo todos a uma só voz: “Salve as Salamandras.  Salve o poder do fogo!”

Clara estava em pé, a  um canto, observando tudo aquilo, como se participasse de  um filme de Walt Disney. Ela sentia que aquilo era um ritual importante. Não sabia porque, mas que era um ritual, era. Isso tinha certeza.  Como se uma vozinha interna  a avisasse  que precisava ficar bem quieta, não podia incomodar.  Aquele mundo não era o dela, apenas lhe era dado o direito de conhecê-lo, mas não podia interferir de  maneira alguma.
 Parece até  que esqueceram sua presença ali. Em um determinado momento,  o  que parecia dirigir o grupo foi até o centro levantou uma das mãos e todos ficaram em absoluto silêncio. Então ele começou a falar e Clara pode compreender o que dizia.
Falou da terra e da  natureza, lembrando que era necessário continuar a obra.  Nesse ponto Clara se perguntou a que obra ele estaria se referindo. Ele  dirigiu o olhar para os que pareciam ser mais brincalhões, e continuou falando. Disse  que eles tinham uma grande responsabilidade, que cada um  precisava desempenhar a sua tarefa, fazer a sua parte.
- Os que ficaram incumbidos de catar as sementes e enterrá-las, não podem relaxar nas sua responsabilidade.  Os pássaros fazem a sua parte, espalham sementes por toda a parte. Mas de que adianta se nós não a enterramos e cuidamos até que elas  possam sozinhas, prosseguir na sua missão?  Nós sabemos bem que muitas sementes caem sobre pedras e outras em lugares onde não haveria a mínima condição de brotar e crescer. Concordam que isto é uma função nossa? 
Todos pareciam compreender e aceitar o papel que lhes cabia. Eles olharam para o que parecia ser o seu mestre, com respeito e amor. Sabiam que era seu o trabalho cuidar da natureza e levar a vida na terra adiante. O tempo passou e eles lá falando e ela ouvindo. Ao final de algum tempo, o mestre - vamos chamar assim -, levantou mais uma vez a mão e todos se levantaram e saíram correndo para a brincadeira.
Dois deles se aproximaram de Clara e dando-lhes as mãos, a convidaram a brincar de roda. Pareciam flutuar, dançando enquanto alguns tocavam as flautas.  Nem  percebeu que haviam se afastado de perto da fogueira e estavam agora ao lado do córrego que passa ali perto. Ela já fora até lá, algumas vezes, em busca da água limpa e fresca, nas suas caminhadas pela floresta. Mas....agora não parecia o mesmo lugar.  Seres parecidos com a s fadas dos livros de história, voavam por toda parte.
-  Que lindas! Nem acredito que isto existe. Parecem fazer parte da própria água. Algumas chegam a ter asas. Que lindas elas são! Lindas, lindas, lindas, não parava de falar para si mesma.  Estava atônita. Mais surpresa do que ficou ao ver os anõesinhos.
- São elas que cuidam da umidade da terra.  Sem elas não haveria vida na Terra, a natureza não pode existir sem a água. Os homens não percebem que estão destruindo a si mesmos quando jogam tanto lixo nos rios, nos mares....
Clara se voltou para ver de onde vinha a voz e viu aquele que parecia ser mestre dos homenzinhos perto de onde estava. Olhando assim, mais de perto, pode perceber o olhar de sabedoria que mostrava enquanto falava. Reparou que ele tinha um chapéu de pano na cabeça e nos pés calçava velhas botas de cano alto. Era uma figura estranha, mas sem dúvida alguma, impunha um certo respeito. 
A Terra está pedindo socorro. – continuou a falar o pequeno ser - , se os humanos continuarem voltados apenas para a ambição e ganância, não dando ouvidos ao apelo que a Terra diariamente faz, não podemos garantir vida por muito tempo. 
- Veja à sua volta.  Esta floresta é a própria manifestação da vida.  Outras pelo mundo a fora garantem o oxigênio que o homem precisa para viver.  E o que fazem os gananciosos?  Cortam as árvores para vender a madeira, querem fazer fortunas à custa da própria vida. Bem, isso você já sabe.  Desculpe, menina, mas não me contenho diante do que os homens fazem à natureza. Na verdade, nós elementais, construímos, e o homem destrói.
Clara não conseguia falar, apenas ouvia. Mas compreendia perfeitamente. Tentou se comunicar mentalmente.  Dizer-lhe que compreendia e concordava com o que ele dizia. Esperou e a resposta do homenzinho foi um sorriso. Logo ele continuou:
- Cada um dos elementos da natureza tem a sua função específica na construção da vida na Terra.  Sejam  as  Ondinas, elementais da água, as  Salamandras, os elementais do fogo ou as fadas e silfos que vivem no ar. Todos têm uma tarefa importante na manutenção das condições adequadas para o homem viver aqui no Planeta. Sem falar de nós, os gnomos,  que somos os elementos da terra e trabalhamos arduamente para que a humanidade possa continuar por aqui enquanto precisar deste plano para sua evolução. Cada um deve fazer a sua parte. Nós procuramos realizar nossas tarefas da melhor maneira possível. Estamos certos disso!
- Você, menina, também tem a sua tarefa! A vida também se manifesta através de você!  É também sua responsabilidade cuidar da vida que se manifesta em toda a parte.  Em você e em tudo que a cerca. Você sabe qual é a parte que lhe cabe na criação, na grande obra?  Pense sobre isso e lembre-se: Cada criatura tem uma missão na vida.  Qual é a sua missão?  Para fazer bem a parte que lhe cabe fazer, você  precisa saber qual é a sua missão. Qual é a sua missão?

Qual é a sua missão? Qual é a sua missão?
Clara deu um pulo na cama.  Acordou assustada ouvindo a pergunta ressoar  na cabeça e mais que isso, ecoando por todo o corpo.
Tomou um  pouco de água e olhou o relógio.  Ainda era de madrugada, muito cedo  para levantar. Vestiu um robe sobre o pijama e foi até a janela. A lua crescente, iluminava todo o céu, tornando a noite especialmente bonita. Ficou alguns minutos observando a rua deserta enquanto pensava no sonho.
Estranhamente,  lembrava perfeitamente de cada detalhe. As imagens estavam claras e nítidas, continuavam ali, na tela mental, como se tudo estivesse acontecendo agora, neste momento.
-  Que sonho incrível. Não, não  foi um sonho. Não pode  ter sido. Era tudo muito real, acontecendo ali na minha frente. Meu Deus, o que está acontecendo   comigo? O que significa esse sonho? Dizem que os sonhos são mensagens do inconsciente tentando nos mostrar algo. Mas o que o inconsciente pode querer me mostrar? O que precisa tornar-se  consciente? 
       Como sempre que está assim, aflita, passa as mãos pelo rosto, mostrando sua confusão interior.
- Não sei   mais o que  pensar!  Minha missão não é atender meus pacientes?  Foi a profissão que escolhi! E procuro fazer o melhor dentro das limitações.
Voltou para a cama, ainda tentando encontrar explicações. Precisava de  respostas.  Diante dela passaram mil vezes as figuras estranhas que povoaram o sonho. Lembrava as palavras que ouviu, o tom de voz....tudo.
-          Qual é a sua missão?
A voz do chefe dos homenzinhos continuava  dentro dela com a mesma pergunta.:  - Qual é a sua missão?
E Clara adormeceu perguntando a si mesma, como fazer para saber qual a sua missão na vida.

Durante toda a  semana, não houve um único dia em que Clara não se fizesse a  mesma pergunta.  Na verdade, era  o primeiro pensamento que vinha tomava conta dela pela manhã.  Já na segunda-feira, quando acordou, ela  lembrou do sonho,  e  logo aquela  vozinha se fez ouvir  como se pedisse uma  resposta.   Por mais que tentasse esquecer o assunto,  bastava ficar distraída e  aquelas imagens estranhas surgiam de novo diante dela. Engraçado... Gostava de lembrar dos homenzinhos.  Sentia como se fossem seus amigos.
- Aquele que parecia ser mestre dos outros, parecia ter muitos conhecimentos..  Falou tanta coisa interessante.   Nada do que disse pode ser considerado um absurdo. Tem até muita lógica. Mas... e essa história de cada um ter uma missão?  Que missão?
De resto, além de muito trabalho, os dias passaram sem nenhum acontecimento que mereça destaque. 

Finalmente chegou o Sábado. Logo cedo ligou para Lúcia.  Estava ansiosa para saber se iriam se encontrar, como João Carlos havia sugerido. 
A amiga contou-lhe  que a esposa um  cliente havia ligado pedindo ajuda para  seu marido que estava tendo uma crise.
- Estou indo até lá  para acompanhar a situação de perto e não sei  a que horas estarei disponível para o nosso encontro. Mas ainda assim ,vou  conversar com João Carlos e depois ligo.
- Por favor, Lúcia, vê se dá  um jeitinho. É importante voltarmos a conversar. Esse assunto me interessa mais do que você pode imaginar.
- Que é isso, minha amiga? Você parece muito ansiosa.  Será que aconteceu alguma coisa que a está incomodando? Parece aflita.
- Não se trata de aflição, mas estou ansiosa para ouvir vocês falarem mais, quero também tirar algumas dúvidas.
- Olha, o  João é a pessoa indicada para esclarecer suas dúvidas. Está no caminho há bastantes  anos, estuda muito e principalmente, é uma pessoa muito séria, aliás,  até demais. É  de pouca conversa.... Sabe que estranhei o modo dele na sua casa?  Já  o conheço há tempos e nunca o vi assim, tão à vontade, tão falador. Você, com esse jeitinho tímido, o conquistou.
- Lúcia, nem fale assim, que fico sem jeito. Sabe muito bem que não fico à vontade com  quem não conheço direito. Ele foi muito simpático, mas tenho certeza que essa história de conquista é brincadeira sua,  você está brincando, não está?
- Calma, amiga, claro que estou brincando. Quando vai parar de ter medo dos homens? Não estou falando de João, mas de outros que fazem de tudo para chegar mais perto e você não abre espaço....conheço um monte que tenta se aproximar e nada. Não está na hora de  se dar a chance de conhecer alguém legal?
- Que exagero!  Ouvindo você falar, parece que nunca  namorei.  Quantas vezes saímos juntas com nossos namorados?
- Está bom! Você sabe que não é disso que estou falando, de namoradinhos passageiros.  Estou falando de amor, filhinha, amor!
-          Mas e aí vai falar com ele e me dar retorno?
Era sempre assim. Quando o assunto era amor, Clara cortava a amiga, mudava imediatamente a conversa.  Lúcia nunca  insistia.  Respeitava a privacidade da amiga e logo mudava de assunto.  Acertaram que falariam mais tarde para confirmar o encontro.
Depois do almoço o telefone tocou.  Atendeu ansiosa, devia ser a amiga para dar o retorno que esperava.
-          Clara? João Carlos!
-          Como está? Tudo bem?
- A Lúcia pediu que ligasse porque ela tinha um compromisso e já estava saindo.  Incomodo você? 
Conversaram alguns minutos e marcaram o encontro para mais tarde  na casa dela. Lúcia viria mais tarde, direto do atendimento ao cliente.
- Faço questão de levar o lanche. O chá fica por sua conta. Está bem para você?
Estava contente com a perspectiva da visita  Gostava do jeito dele, parecia uma pessoa confiável.  Lembrou do  modo franco  dele olhar.  Essa é uma característica que admira nas pessoas. 
- É agradável conversar com alguém que nos olha nos olhos enquanto fala.  – pensou enquanto se preparava para receber os amigos .   
continua...

MCCA

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