Somos seres espirituais que estão tendo uma experiência humana.
Teilhard de Chardin
A campainha da porta tocou. Era
João Carlos que chegava.
- Vim mais cedo para podermos
conversar um pouco mais. O tempo passa tão depressa que nunca é suficiente
quando falamos de assuntos que nos dão prazer. E eu gosto de conversar sobre o
misticismo. Especialmente tendo uma ouvinte tão interessada como você.
Enquanto falava, seu sorriso
tornava-o mais interessante. Clara ficou
sem raça com o modo dele a olhar.
- Lúcia disse que há tempo você
já vem demonstrando curiosidade sobre as questões da magia, do ocultismo e do
espiritualismo. Mas segundo ela, agora, você está mostrando um interesse especial sobre o assunto, parece-lhe
que não se trata apenas de curiosidade.
Clara olhou o amigo, e com um gesto de cabeça pediu que continuasse.
- Bem.... Lúcia é uma colega de grupo e muito respeitada por todos.
Eu gosto muito dela. É sensata,
interessada, vem mostrando determinação e dedicação ao trabalho que lá
realizamos. Sua amiga pediu-me que ajudasse você. Por isso, Clara, estou
aqui, colocando-me inteiramente à sua
disposição para tirar suas dúvidas e
esclarecer o que for possível.
- Fico feliz e agradecida com a suas palavras. Realmente sempre tive
curiosidade sobre todas essas coisas que
vocês chamam ocultismo, mas nunca um interesse maior. Agora, não sei bem porque, sinto uma estranha necessidade de saber mais.
Olhou nos olhos do novo amigo como se quisesse advinhar o que ele pensava, e continuou no mesmo tom baixo, meio
tímido.
- Desde menina freqüentei a igreja e cresci ouvindo os dogmas e
princípios do catolicismo. Não tive
muita escolha, como pode ver. A doutrina que aprendi com vovó me serviu muito. Agradeço muito a ela
por isso. Em determinadas
situações, nem sei o que faria se
faltasse a fé em Deus. Mas sinto que me
falta algo mais!
Desviou o olhar, mostrando que
algumas lembranças voltavam e continuou falando.
- Como todo jovem, lá pelos
quinze anos, comecei a questionar tudo,
inclusive a minha religião. Aliás, não só a minha, mas as religiões em geral!
Coisas da adolescência...
- Realmente essa é a fase dos questionamentos para todos nós. - respondeu o amigo.
- Mas, como disse, a educação que recebi foi rígida quanto aos valores
religiosos. Bem, para ser mais exata, foi
bastante radical com tudo.
Quando terminou de falar, percebeu que falara demais. Não gostava de
falar de si mesma. Muito menos, fazer confidências a uma pessoa que pouco
conhecia, como no caso. Ainda mais com esse tom de crítica à
avó. Ficou claramente incomodada e tentou corrigir o que dissera:
- Não pense que estou criticando a educação que minha avó me deu, nem
seus valores. Por favor, entenda o que
disse como sendo apenas um comentário.
- Clara, gostaria que me visse como seu amigo. Não entendo porque
você fica se policiando assim, dessa
maneira. É horrível ter o tempo todo
que ficar pensando o que falar, analisando se algo pode ou não ser dito, sem se comprometer com o que diz.
Olhou fixamente para ela, sorriu e fez um gesto com as mãos como que
para confirmar as palavras e continuou, num tom mais baixo:
- Desculpe, precisava dizer-lhe
isto. Me incomoda ver que antes de dizer qualquer palavra, você se prepara, pensa
para falar, não me parece estar à vontade. Por favor, não veja isso como
crítica. Ao contrário, quero apenas que
confie em mim. Principalmente, que confie em você!
Desta vez Clara não sabe mesmo o que dizer. Não está acostumada com
pessoas assim, tão diretas e objetivas.
Os poucos amigos que tem, por mais
simpáticos que sejam, não falam desse modo com ela.
João Carlos é diferente, parece conhecê-la intimamente e fala como se fossem velhos amigos. Fica se perguntando se deu tanto espaço a João
Carlos para que ele falasse assim com ela. Terá ela demonstrado ser uma menina
carente, ou quem sabe... uma mulher frágil?
Não isso não! Nem pensar!
-
João Carlos, você está sendo muito simpático comigo, foi muito gentil vindo até
minha casa para conversarmos. De forma alguma quero parecer que não fico à vontade conversando com você. Creia
que o estou recebendo como amigo.
Afinal, a Lúcia o trouxe até mim e ela é uma amiga muito querida. Nunca
traria a minha cassa alguém que não
mereça confiança. Estou certa?
-
Bem, está melhor assim. Então
você dizia que é católica?
- Fui! Hoje não posso mais dizer que sou.
Ultimamente é raro entrar numa igreja. Como disse há coisas que não aceito
mais, mas enquanto vovó vivia, procurava não demonstrar claramente isso. Por respeito a ela. Na verdade, se quer
saber, fiz muitas coisas apenas para
agradá-la. Devo muito a ela. Desde que
nasci, viveu em função de me cuidar, abriu mão de muita coisa
por mim.
Seus olhos ficaram tristes,
sempre ficava triste quando lembrava da avó querida. Respirou fundo e
passou as mãos no rosto, afastando as
lembranças tristes e continuou falando:
- Nós morávamos no interior, em
uma grande casa que meu avô deixou. Ela
gostava de lá, toda a sua vida tinha
sido vivida ali. Mas quando cheguei aos dez anos, percebeu que seria melhor que
estudasse numa cidade grande, com mais recursos. Vendeu tudo e viemos para
cá. Veja que não podia magoá-la nem parecer ingrata.
- Fico feliz por me contar a sua história, ou pelo menos parte dela...-
falou rindo João Carlos.
Ela sorriu meio sem graça.
Parecia ainda mais bonita, assim olhando como uma criança. Seus olhos
esverdeados brilhavam quando falou:
- Mas falava de religião. Hoje não freqüento nenhuma. Prefiro esperar
até ter certeza de haver encontrado um
caminho que me satisfaça.
- E pensa que talvez possa encontrar esse caminho no grupo em que
Lúcia e eu pertencemos?
- Por que não? Pelo que sei,
vocês estudam os assuntos místicos, de paranormalidade e magia ou não? Estou precisando entender algumas coisas que
estão acontecendo comigo ultimamente. Sabe como? Alguns sonhos....aliás, nem
sei mais se foram sonhos ou visões. Você compreende?
O
amigo a ouvia com muita atenção. Olhava para Clara de um modo carinhoso que a
deixava mais à vontade. Sentia-se bem com ele. Tão bem que se permitia mostrar
sua ignorância sobre os temas que discutiam, e continuava perguntando,
questionando, querendo entender mais.
Ele respondia com segurança e objetividade,
mostrando paciência para explicar com detalhes o que ela queria saber.
- Nossa! Você parece conhecer bem esse assunto.
As palavra de João Carlos a encantavam. Clara começou a ver os
conhecimentos esotéricos com outros olhos.
Olhos que brilhavam cada vez mais enquanto ele falava. Admirava o modo de falar, os conhecimentos
que ele mostrava possuir. Para qualquer
pergunta que fazia, ele tinha resposta e isso a estimulava a fazer mais e mais
perguntas.
- Ouvindo você falar, essas coisas todas parecem não ser assustadoras,
ao contrário, bem interessantes. Tenho
visto algumas pessoas falando, mas parecem tão fanáticas, que naturalmente me
afasto destes assuntos. Detesto ouvir
alguém falar como se fosse dono da verdade. E em geral, as pessoas querem nos
convencer e fazer acreditar naquilo que elas acreditam. E a maioria das vezes não aceitam qualquer
contestação. Não! Definitivamente, não me agrada conversar com pessoas
fanáticas.
- Tem que levar em consideração que você é uma pessoa voltada
para assuntos científicos, sua linha de
raciocínio é a lógica, logo quaisquer explicações devem atender a lógica
para satisfazer suas necessidades de compreensão. Creia que o espiritualismo ou
o esoterismo têm respostas muito
coerentes. Infelizmente poucas pessoas se dedicam ao estudo profundo destes
assuntos, e ao falar a respeito disso, são levadas mais pela fé ou mesmo pelo fanatismo do que pelos
conhecimentos.
O toque do telefone os
trouxe para o plano puramente
material. O modo de se olhar mostrava a contrariedade com a interrupção.
Clara levantou-se e foi até a
mesinha que estava do outro lado da sala.
Era Lúcia.
- Clara, sou eu! Estou aqui na
clínica, com meu cliente. Ele não está bem... não tenho a mínima condição de
sair daqui. Você me perdoa? Diga ao meu
amigo que estou pedindo desculpas, mas
não dá para estar com vocês. Desculpa,
amiga, mas não depende da minha vontade.
Despediu-se mandando beijos para os dois.
-
É Lúcia. Não pode vir, está
atrapalhada com um cliente.
-
Ossos do ofício...- respondeu o amigo
-
Bem, já que fomos interrompidos, vamos tomar o chá.
-
Só se permitir que a ajude!
Clara respondeu com um sorriso
e estendeu as mãos.
O amigo, fazendo um gesto à moda
dos antigos cavaleiros, levantou-se
e segurou uma das mãos que ela oferecia. Riram da
situação enquanto se dirigiram para a cozinha levando os embrulhos que João
Carlos havia trazido.
Quando voltaram para a sala e ocuparam os mesmos lugares de antes, pareciam velhos
amigos, uma intimidade maior estava estabelecida, tamanha a afinidade entre Clara e João. Fluía
entre eles uma energia de harmonia e
cumplicidade nas palavras, nos olhares e nos gestos.
- João Carlos! Posso perguntar como você chegou ao espiritualismo
ou esoterismo, não sei exatamente
como chamar?
-
AH! Foi um longo caminho!
-
Como assim? Pode contar ou é algo misterioso ou secreto?
O olhar de Clara era um
misto de interesse e curiosidade.
- Não há nada de secreto, mas
não costumo falar a respeito. Você sabe
como a maioria das pessoas é curiosa sobre a vida alheia, principalmente nesses
assuntos. E na verdade, não faz nenhum
sentido trocar esse tipo de confidências com os outros. Claro que não é esse o seu caso. Sei que não
é por curiosidade que está perguntando.
-
Perdoe-me se estou cometendo uma indiscrição.
João Carlos sorriu
carinhosamente e continuou:
- De forma alguma. Mas tenho que
voltar no tempo. Não sei se terá paciência e tempo para ouvir. Talvez queira
deixar para outra ocasião.
-
Não! Gostaria de ouvir agora, se não se importa!
- Clara, é uma história longa,
espero que tenha paciência para ouvir.
Tive a sorte de nascer numa família muito bem
estruturada. Sabe quanto isso é
importante para a formação do caráter de uma pessoa. Meus pais se amavam e sempre expressaram claramente esse amor. Meus
irmãos e eu fomos criados em meio a esse sentimento e muito respeito. Aprendemos desde cedo o valor da verdade e da
fé em Deus. Meus pais eram cristãos no
sentido mais amplo da palavra. Ou seja, viviam plenamente os ensinamentos de
Cristo. Veja bem que falei de Cristo e não de ensinamentos ou dogmas
religiosos.
- Minha mãe foi criada dentro do catolicismo e era praticante até o
casamento. Depois passou também a questionar e mudou. Era de família muito religiosa e
conservadora. Meu pai, ao contrário, era
um contestador. Ainda jovem já buscava
conhecimentos mais profundos das verdades do Universo. Naturalmente, logo se deparou com crenças, dogmas, verdades
rígidas e as limitações que a Igreja impunha aos fiéis. Dono de espírito muito
crítico, começou procurar outras religiões e
a percorrer vários caminhos em busca da “Verdade”. Era um buscador. Passou a ler tudo que podia, desde
obras religiosas até as filosóficas. Chegou assim aos autores
do esoterismo e de ocultismo. Faz parte de um Ordem Esotérica
bastante conhecida. É um homem bom, muito culto e sensível. E um excelente chefe de família.
Clara ouvia o amigo com atenção e sorria afetivamente enquanto ele narrava sua
história.
- Assim, fomos criados em meio a
muito amor e toda uma filosofia de busca da verdade, ou melhor,
verdades. Deste modo, podemos, desde
crianças, aprender uma coisa muito importante:
a verdade é relativa.
Nesse momento pareceu que ele se distanciou dali. Talvez tenha se deslocado até a infância.
Logo voltou a atenção para a amiga e olhando-a como se quisesse penetrar em sua alma, continuou a
falar:
- Clara, nunca podemos dizer que
isto ou aquilo é verdade. Tudo depende dos valores, da cultura e de muitos
outros fatores. Lembre-se sempre disso!
Devemos buscar a “Verdade”, mas
sabendo distingui-la das verdades que nos cercam.
- Olhe, minha amiga! Papai nos
ensinou a perseguir nossos sonhos e
anseios. Nosso sentimento é mais que
amor e admiração. Sempre
presente, por perto quando demos os
primeiros passos e nos incentivando a seguir adiante. Particularmente
sou-lhe muito grato. Graças a meu pai
pude fazer perguntas e encontrar respostas. Seu exemplo,
sua coerência, os princípios, enfim, seu caráter.... e principalmente o amor
que nos dedicou. Tudo....
Clara percebeu sensibilizada,
quando os olhos de João Carlos marejados mostraram sua emoção enquanto falava
do pai.
- Não sei quem tem mais sorte. Você
por ter um pai assim maravilhoso, capaz
de dar segurança e estabilidade à família....ou ele por ter um filho tão especial.
Mal acabou de pronunciar estas palavras e Clara ficou ruborizada.
Completamente sem graça, não sabia o que dizer ao perceber o que falara.
- Bem, quero dizer... é bom quando os filhos admiram assim como
você, o pai ou a mãe. É realmente muito bom.
Suas palavras saíam
atabalhoadamente. Não queria parecer acanhada com o que tinha dito,
na verdade, não sabia o que dizer.
-
Mas você perguntou como cheguei aqui, não é mesmo?
- Olhe, quando terminei a
Faculdade de Economia, meu pai me sugeriu um estadia em Londres, antes de
assumir a direção da Empresa da família. Eu sonhava com o Curso de
Especialização em Negócios, Gestão
Empresarial e precisava aperfeiçoar meu
inglês. Era a oportunidade que esperava. E lá fui eu.
- Pode imaginar que logo ao chegar, como qualquer turista, gastei um
bom tempo freqüentando pub’s, shows,
espetáculos de música, de teatro e tour
pela cidade e arredores. E claro, a Torre de Londres, o Big Ben, o Haid Park, o Castelo de Buckinghn e outros
pontos turísticos. Mas, como em qualquer viagem que faço, o importante é a
oportunidade de conhecer a cultura do povo.
Isso é o que realmente me atrai.
E ali não foi diferente.
- Você sabe como os ingleses são conservadores e como dão valor á sua
história. Em pouco tempo, pude perceber o quanto eu mesmo também valorizo o passado, as raízes, os
ancestrais.... Lembro-me da espécie de encantamento que sentia quando visitava
as construções antigas, os
castelos. Não só de Londres, mas da
Escócia, de Gales, e outros lugares da Europa. Algumas vezes parecia que estava
retornando a um passado distante. Na
Escócia....a sensação era de saudade.
Você pode compreender? Isto mexeu muito comigo. Saudade! Mas saudade de que? Não podia saber.
- Numa ocasião fui conhecer um grande Magazine. Uma vitrine mostrava
discos e livros. Um de física Quântica
me chamou a atenção. Entrei e vi que a loja era especializada em artigos
esotéricos. Livros de esoterismo,
pêndulos e cristais por toda a parte.
Olhe, foi a primeira vez que vi um livro
sobre a Inteligência Emocional que só agora chegou por aqui.
- Numa prateleira, inúmeros baralhos de cartas. Várias versões, de
tamanhos e cores diferentes. Um deles tinha na frente uma figura
especialmente bonita. Uma mulher
com estrelas sobre a cabeça e uma meia lua sob o pé esquerdo. Que figura
interessante! O dourado no fundo tornava a figura ainda mais bonita.. Desviei o
olhar para o alto da prateleira e
li numa etiqueta, a palavra “Oráculos” e
logo abaixo uma edição em inglês do Livro do I ching. Lembre-me de Paul,
um colega do curso que dias antes
me falara que costumava consultar o
oráculo, aliás, ele não tomava
nenhuma decisão importante sem consultar um.
- Meus olhos voltaram para o
baralho. Me aproximei mais, parecia que aquela mulher me chamava. Eu me sentia como se estivesse
hipnotizado. Comprei o baralho e o livro
de I Ching. Não sabia porque ou para que.
Pensava pedir ajuda a Paul....,
ele haveria de me orientar. Talvez até
soubesse como usar as cartas.
- Dirigi-me imediatamente para casa. Uma estranha ansiedade tomou conta
de mim. Queria abrir a caixa e ver as
outras cartas.
- Ainda agora posso recordar
como estava emocionado com a aquisição feita. Essa sensação não tinha
nada de natural, convenhamos. Logo abri o embrulho e me vi diante de setenta e oito cartas com figuras estranhas, a maioria de
homens e mulheres. Não entendi de que
maneira tudo isso poderia ajudar Paul a decidir algo. Assim, guardei as cartas
e coloquei a caixa dentro de uma gaveta.
Dediquei algumas horas a ler o livro e logo percebi a sua
complexidade. Logo também ele estava
guardado, aguardando uma melhor oportunidade para ser lido.
Clara ouvia o relato com muita atenção, demonstrando grande
curiosidade. Vez por outra, tomava mais um gole de chá ou preenchia a xícara do
amigo à medida que esta ia sendo esvaziada. Em momento algum interrompeu a fala de João Carlos. Ao contrário queria saber mais.
- Quando começava a me preparar
para retornar ao Brasil, Paul me
convidou para jantar em sua casa, nos arredores de Londres. Ao final da
refeição, meu amigo perguntou se eu não
gostaria que sua esposa fizesse a
previsão do meu futuro. Talvez a leitura
do Livro da Sabedoria...
- Você não pode imaginar que estranha sensação me percorreu diante da
proposta. Assim como se alguma parte de mim respondesse sim, independente da
minha vontade. Nunca havia me interessado ou procurado alguém para fazer previsões, mesmo acreditando
nisso. Sabia que muitos paranormais
podem ler oráculos. No entanto, nunca havia pensado em saber algo sobre meu futuro. Mas como rejeitar um oferecimento do meu
amigo? Assim agradeci a gentileza e
aguardei enquanto Mary, a esposa de Paul, abria um grande lenço de seda que
embrulhava algo.
-
João parou de falar e tomou um pouco de chá.
-
Talvez não queira falar sobre as previsões, pensou Clara.
Ficou em silêncio, apenas olhando fixamente para o amigo, aguardando
sem saber se ele continuaria o relato.
- Clara! O que vou lhe falar
agora, não disse jamais a ninguém. Não sei mesmo porque esta necessidade de
partilhar com você esta experiência. Mas
meu coração diz que posso confiar-lhe isso. E aprendi a obedecer à voz do coração.
Enquanto falava, o olhar de João Carlos foi mudando Uma suavidade maior foi tomando conta da sua voz e da sua fisionomia. Uma doçura estranha até
mesmo para ele. Com certeza era o efeito das lembranças que estavam vindo e
traziam com elas toda a emoção vivida na época dos acontecimentos.
- Veja a estranha coincidência:
Diante de mim, sobre a mesa,
estava um baralho exatamente igual ao meu. Muita coincidência!
Clara olhou para o amigo mostrando a surpresa. . Nenhuma palavra.
O que poderia dizer? E ficaram assim, calados, se olhando.
Pareciam hipnotizados. Sem qualquer dúvida, era um momento mágico que nenhum queria
interromper. Passaram-se alguns minutos
até que a magia se rompeu e ele continuou a falar, como se despertasse de um transe.
- Mary embaralhava as cartas,
parecendo totalmente concentrada no que fazia, não podia perceber o que se
passava em minha mente. Algumas cartas
foram colocadas sobre o lenço que fazia o papel de toalha enquanto outras
ficaram juntas de lado. E lá estava
aquela figura da mulher, lá no centro da mesa. Então ela começou a
falar.
- E parece que ainda hoje ouço a
sua voz falando de minha vida, da infância, da família, dos
meus sonhos e planos....de repente, Mary desviou os olhos da mesa e me olhou de um jeito enigmático. Disse que dentro de alguns dias, antes mesmo da
volta ao Brasil, eu
teria oportunidade de conhecer algo sobre mim mesmo, algo que eu desconhecia e que esse fato mudaria o
meu destino. Perguntei sobre essa
mudança, mas em vão. Respondeu que
no tempo certo as respostas viriam. Só
me restava esperar.
-
E então? Só isso de importante? Foi a única coisa que Clara disse.
João Carlos a olhou de forma misteriosa.
- Não! Apontando para a carta da mulher, me assegurou
que continuaria sozinho, enquanto não encontrasse um amor perdido no
passado.
-
Como assim?
- Segundo ela, estou esperando alguém que amei em outro tempo...e há um encontro marcado. É a lembrança
inconsciente dessa mulher que amei e espero encontrar a qualquer momento, que
faz com que ninguém me interesse. Tem
bastante coerência com a minha vida. Talvez por isso ainda não me apaixonei de
verdade, apesar de ter tido várias experiências de namoro, saídas, sabe como
é...
Clara parecia distante, mas ouvia com muita atenção.
Foi até a mesa onde a estava a jarra com o suco de frutas e serviu os
dois copos. Sentou-se na poltrona mais
próxima de João Carlos e o serviu. Tomaram um pouco do suco e ela voltou a
olhar o amigo, deixando-o perceber a sua
curiosidade. Ele colocou o copo sobre a bandeja e continuou.
-
João, continue. E então?
-
Continuo aguardando que se cumpra aquilo que deve ser vivido.
-
Mas e depois?
João Carlos parece ir longe, buscar lembranças e respostas
continua...
MCCA
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