terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Atravessando o Portal do Tempo VI

VI     Não somos  seres humanos que têm uma experiência espiritual.
             Somos seres espirituais que estão tendo uma  experiência  humana.
                                                                                                   Teilhard de Chardin 

A campainha da porta tocou. Era  João Carlos que chegava.
-  Vim mais cedo para podermos conversar um pouco mais. O tempo passa tão depressa que nunca é suficiente quando falamos de assuntos que nos dão prazer. E eu gosto de conversar sobre o misticismo. Especialmente tendo uma ouvinte tão interessada como você.
Enquanto falava, seu  sorriso tornava-o mais interessante.  Clara ficou sem raça com o modo dele a olhar.
- Lúcia  disse que há tempo você já vem demonstrando curiosidade sobre as questões da magia, do ocultismo e do espiritualismo. Mas segundo ela,  agora,  você está mostrando um  interesse especial sobre o assunto, parece-lhe que não se trata apenas de curiosidade.
Clara olhou o amigo, e com um gesto de cabeça pediu que continuasse.
- Bem.... Lúcia é uma colega de grupo e muito respeitada por todos. Eu  gosto muito dela. É sensata, interessada, vem mostrando determinação e dedicação ao trabalho que lá realizamos. Sua amiga pediu-me que ajudasse você. Por isso, Clara, estou aqui,  colocando-me inteiramente à sua disposição para tirar suas dúvidas e  esclarecer o que for possível.
- Fico feliz e agradecida com a suas palavras. Realmente sempre tive curiosidade sobre todas essas coisas  que vocês chamam ocultismo, mas nunca um interesse maior.  Agora, não sei bem porque,  sinto uma estranha necessidade de saber mais.
Olhou nos olhos do novo amigo como se quisesse advinhar o que ele  pensava, e continuou no mesmo tom baixo, meio tímido.
- Desde menina freqüentei a igreja e cresci ouvindo os dogmas e princípios do catolicismo.   Não tive muita escolha, como pode ver. A doutrina que aprendi com  vovó me serviu muito. Agradeço muito a ela por isso. Em determinadas  situações,  nem sei o que faria se faltasse a  fé em Deus. Mas sinto que me falta algo mais!
Desviou o  olhar, mostrando que algumas lembranças voltavam e continuou falando.
-  Como todo jovem, lá pelos quinze anos, comecei a questionar  tudo, inclusive a minha religião. Aliás, não só a minha, mas as religiões em geral! Coisas da adolescência...
- Realmente essa é a fase dos questionamentos para todos nós. -  respondeu o amigo.
- Mas, como disse, a educação que recebi foi rígida quanto aos valores religiosos. Bem, para ser mais exata, foi  bastante radical com tudo.
Quando terminou de falar, percebeu que falara demais. Não gostava de falar de si mesma.  Muito menos,  fazer confidências a uma pessoa que pouco conhecia,  como no caso.  Ainda mais com esse tom de crítica à avó.  Ficou claramente incomodada e  tentou corrigir o que dissera:
- Não pense que estou criticando a educação que minha avó me deu, nem seus valores.  Por favor, entenda o que disse como sendo apenas um comentário.
- Clara, gostaria que me visse como seu amigo. Não entendo porque você  fica se policiando assim, dessa maneira. É horrível  ter o tempo todo que  ficar pensando o que  falar, analisando se algo pode ou  não ser dito, sem  se comprometer com o que diz.
Olhou fixamente para ela, sorriu e fez um gesto com as mãos como que para confirmar as palavras e continuou, num tom mais baixo:
- Desculpe,  precisava dizer-lhe isto. Me incomoda ver que antes de dizer qualquer palavra, você se prepara, pensa para falar, não me parece estar à vontade. Por favor, não veja isso como crítica.  Ao contrário, quero apenas que confie em mim. Principalmente, que confie em você!
Desta vez Clara não sabe mesmo o que dizer. Não está acostumada com pessoas assim, tão diretas e objetivas.  Os poucos amigos que tem, por mais  simpáticos que sejam, não falam desse modo  com ela.  João Carlos é diferente, parece conhecê-la intimamente  e fala como se fossem velhos amigos.  Fica se perguntando se deu tanto espaço a João Carlos para que ele falasse assim com ela. Terá ela demonstrado ser uma menina carente, ou quem sabe... uma mulher frágil?  Não isso não! Nem pensar!
            - João Carlos, você está sendo muito simpático comigo, foi muito gentil vindo até minha casa para conversarmos. De forma alguma quero parecer que não  fico à vontade conversando com você. Creia que o estou recebendo como amigo.  Afinal, a Lúcia o trouxe até mim e ela é uma amiga muito querida. Nunca traria a minha cassa  alguém que não mereça confiança.  Estou certa?
-          Bem, está melhor assim.  Então você dizia que é católica?
-   Fui!  Hoje não posso mais dizer que sou. Ultimamente é raro entrar numa igreja. Como disse há coisas que não aceito mais, mas enquanto vovó vivia, procurava não demonstrar claramente isso.  Por respeito a ela. Na verdade, se quer saber,   fiz muitas coisas apenas para agradá-la. Devo muito a ela.  Desde que nasci, viveu  em  função de me cuidar, abriu mão de muita coisa por mim.
Seus olhos ficaram tristes,  sempre ficava triste quando lembrava da avó querida. Respirou fundo e passou as mãos no  rosto, afastando as lembranças tristes e continuou falando:
-  Nós morávamos no interior, em uma grande casa que meu avô deixou.  Ela gostava de lá,  toda a sua vida tinha sido vivida ali. Mas quando cheguei aos dez anos, percebeu que seria melhor que estudasse numa cidade grande, com mais recursos. Vendeu tudo e viemos para cá.     Veja que não podia magoá-la  nem parecer ingrata.
-  Fico feliz por me  contar a sua história, ou pelo menos parte dela...- falou rindo João Carlos.
 Ela sorriu meio sem graça. Parecia ainda mais bonita, assim olhando como uma criança. Seus olhos esverdeados brilhavam quando falou:
- Mas falava de religião. Hoje não freqüento nenhuma. Prefiro esperar até ter  certeza de haver encontrado um caminho que me satisfaça.
- E pensa que talvez possa encontrar esse caminho no grupo em que Lúcia  e eu  pertencemos?
- Por que não?  Pelo que sei, vocês estudam os assuntos místicos, de paranormalidade e magia ou não?  Estou precisando entender algumas coisas que estão acontecendo comigo ultimamente. Sabe como? Alguns sonhos....aliás, nem sei mais se foram  sonhos ou visões.  Você compreende?
            O amigo a ouvia com muita atenção. Olhava para Clara de um modo carinhoso que a deixava mais à vontade. Sentia-se bem com ele. Tão bem que se permitia mostrar sua ignorância sobre os temas que discutiam, e continuava perguntando, questionando, querendo entender mais.
 Ele  respondia com segurança e objetividade, mostrando paciência para explicar com detalhes o que ela  queria saber.
- Nossa! Você   parece  conhecer bem esse assunto.
As  palavra de João Carlos  a encantavam. Clara começou a ver os conhecimentos esotéricos com outros olhos.  Olhos que brilhavam cada vez mais enquanto ele falava.  Admirava o modo de falar, os conhecimentos que ele mostrava possuir.  Para qualquer pergunta que fazia, ele tinha resposta e isso a estimulava a fazer mais e mais perguntas.
- Ouvindo você falar, essas coisas todas parecem não ser assustadoras, ao contrário, bem interessantes.  Tenho visto algumas pessoas falando, mas parecem tão fanáticas, que naturalmente me afasto destes assuntos.  Detesto ouvir alguém falar como se fosse dono da verdade. E em geral, as pessoas querem nos convencer e fazer acreditar naquilo que elas acreditam.  E a maioria das vezes não aceitam qualquer contestação. Não! Definitivamente, não me agrada conversar com pessoas fanáticas. 
- Tem que levar em consideração que você é uma pessoa  voltada  para assuntos científicos, sua linha de  raciocínio é a lógica, logo quaisquer explicações devem atender a lógica para satisfazer suas necessidades de compreensão. Creia que o espiritualismo ou o esoterismo  têm respostas muito coerentes. Infelizmente poucas pessoas se dedicam ao estudo profundo destes assuntos, e ao falar a respeito disso, são levadas mais pela  fé ou mesmo pelo fanatismo do que pelos conhecimentos.

O toque do telefone os  trouxe  para o plano puramente material. O modo de se olhar mostrava a contrariedade com  a interrupção.
Clara levantou-se e foi até  a mesinha que estava do outro lado da sala.  Era  Lúcia.
- Clara, sou eu!  Estou aqui na clínica, com meu cliente. Ele não está bem... não tenho a mínima condição de sair daqui. Você me perdoa?  Diga ao meu amigo que estou pedindo  desculpas, mas não dá para estar com vocês.  Desculpa, amiga, mas não depende da minha vontade.
            Despediu-se  mandando beijos para os dois.
-          É Lúcia.  Não pode vir, está atrapalhada com um cliente.
-          Ossos do ofício...- respondeu o amigo
-          Bem, já que fomos interrompidos, vamos tomar o chá.
-          Só se permitir que a ajude!
Clara  respondeu com um sorriso e  estendeu as  mãos.  O amigo, fazendo  um gesto à moda dos antigos  cavaleiros, levantou-se e  segurou  uma das mãos que ela oferecia. Riram da situação enquanto se dirigiram para a cozinha levando os embrulhos que João Carlos havia trazido. 
Quando voltaram para a sala e ocuparam os  mesmos lugares de antes, pareciam velhos amigos, uma intimidade maior estava estabelecida,  tamanha a afinidade entre Clara e João. Fluía entre eles uma energia  de harmonia e cumplicidade nas palavras, nos olhares e nos gestos.
-  João Carlos! Posso  perguntar como você chegou ao espiritualismo ou esoterismo,  não sei exatamente como  chamar?
-          AH! Foi um longo caminho!
-          Como assim? Pode contar ou é algo misterioso ou secreto?
O olhar de Clara era um misto de interesse e curiosidade.
- Não há nada de  secreto, mas não costumo falar a respeito.  Você sabe como a maioria das pessoas é curiosa sobre a vida alheia, principalmente nesses assuntos.  E na verdade, não faz nenhum sentido trocar esse tipo de confidências com os outros.  Claro que não é esse o seu caso. Sei que não é por curiosidade que está perguntando.
-          Perdoe-me se estou cometendo uma indiscrição.
João Carlos sorriu carinhosamente e continuou:
- De forma alguma.  Mas tenho que voltar no tempo. Não sei se terá paciência e tempo para ouvir. Talvez queira deixar para outra ocasião.
-          Não! Gostaria de ouvir agora, se não se importa!
-  Clara, é uma história longa, espero que tenha paciência para ouvir.
Tive a sorte de nascer numa família muito bem estruturada.  Sabe quanto isso é importante para a formação do caráter de uma pessoa. Meus pais se amavam e  sempre expressaram claramente esse amor. Meus irmãos e eu fomos criados em meio a esse sentimento e muito respeito.  Aprendemos desde cedo o valor da verdade e da fé em Deus.  Meus pais eram cristãos no sentido mais amplo da palavra. Ou seja, viviam plenamente os ensinamentos de Cristo. Veja bem que falei de Cristo e não de ensinamentos ou dogmas religiosos.
- Minha mãe foi criada dentro do catolicismo e era praticante até o casamento. Depois passou também a questionar e mudou.   Era de família muito religiosa e conservadora.  Meu pai, ao contrário, era um contestador.  Ainda jovem já buscava conhecimentos mais profundos das verdades do Universo. Naturalmente, logo  se deparou com crenças, dogmas, verdades rígidas e as  limitações que a Igreja  impunha aos fiéis. Dono de espírito muito crítico, começou procurar outras religiões e  a percorrer vários caminhos em busca da “Verdade”. Era um buscador.  Passou a ler tudo que podia,  desde  obras  religiosas até as   filosóficas. Chegou assim aos autores do  esoterismo e de  ocultismo. Faz parte de um Ordem Esotérica bastante conhecida. É um homem bom, muito culto e sensível.  E um excelente chefe de família.
Clara ouvia o amigo com atenção e sorria  afetivamente enquanto ele narrava sua história.
- Assim,  fomos criados em meio a muito amor e  toda uma  filosofia de busca da verdade, ou melhor, verdades.  Deste modo, podemos, desde crianças, aprender uma coisa muito importante:  a  verdade é relativa.
Nesse momento pareceu que ele se distanciou dali.  Talvez tenha se deslocado até a infância. Logo voltou a atenção para a amiga e olhando-a como se  quisesse penetrar em sua alma, continuou a falar:
- Clara, nunca  podemos dizer que isto ou aquilo é verdade. Tudo depende dos valores, da cultura e de muitos outros fatores. Lembre-se sempre disso!  Devemos buscar a “Verdade”, mas  sabendo distingui-la das verdades que nos cercam.
- Olhe,  minha amiga! Papai nos ensinou a perseguir  nossos sonhos e anseios. Nosso sentimento é mais que  amor e admiração.  Sempre presente,  por perto quando demos os primeiros passos e nos incentivando a seguir adiante. Particularmente sou-lhe  muito grato. Graças a meu pai pude  fazer  perguntas e encontrar respostas. Seu exemplo, sua coerência, os princípios, enfim, seu caráter.... e principalmente o amor que nos dedicou. Tudo....
Clara  percebeu sensibilizada, quando os olhos de João Carlos marejados mostraram sua emoção enquanto falava do pai.
- Não sei quem tem mais sorte. Você  por ter um pai assim maravilhoso, capaz  de dar segurança e estabilidade à família....ou  ele por ter um filho tão especial.
Mal acabou de pronunciar estas palavras e Clara ficou ruborizada. Completamente sem graça, não sabia o que dizer ao perceber o que falara.
- Bem, quero dizer... é bom quando os filhos admiram assim como você,  o pai ou a mãe. É  realmente muito bom.
Suas palavras saíam  atabalhoadamente. Não queria parecer acanhada com o que  tinha dito,  na verdade, não sabia o que dizer.
-          Mas você perguntou como cheguei aqui, não é mesmo?
- Olhe,  quando terminei a Faculdade de Economia, meu pai me sugeriu um estadia em Londres, antes de assumir a direção da Empresa da família. Eu sonhava com o Curso de Especialização em Negócios,  Gestão Empresarial e  precisava aperfeiçoar meu inglês. Era a oportunidade que esperava. E lá fui eu.
- Pode imaginar que logo ao chegar, como qualquer turista, gastei um bom tempo freqüentando pub’s,  shows, espetáculos de música,  de teatro e tour pela cidade e arredores.  E claro,  a Torre de Londres, o Big Ben,   o Haid Park, o Castelo de Buckinghn e outros pontos turísticos. Mas, como em qualquer viagem que faço, o importante é a oportunidade de conhecer a cultura do povo.  Isso é o que  realmente me atrai. E ali não foi diferente. 
- Você sabe como os ingleses são conservadores e como dão valor á sua história.  Em pouco tempo, pude  perceber o quanto eu mesmo   também valorizo o passado, as raízes, os ancestrais.... Lembro-me da espécie de encantamento que sentia quando  visitava  as construções antigas,  os castelos.  Não só de Londres, mas da Escócia, de Gales, e outros lugares da Europa. Algumas vezes parecia que estava retornando a um passado distante.  Na Escócia....a sensação era de saudade.  Você pode  compreender?  Isto mexeu muito comigo. Saudade!  Mas saudade de que? Não podia saber.
- Numa ocasião fui conhecer um grande Magazine. Uma vitrine mostrava discos e livros. Um de  física Quântica me chamou a atenção. Entrei e vi que a loja era especializada em artigos esotéricos.  Livros de esoterismo, pêndulos e  cristais por toda a parte. Olhe,  foi a primeira vez que vi um livro sobre a Inteligência Emocional que só agora chegou por aqui.
- Numa prateleira, inúmeros baralhos de cartas. Várias versões, de tamanhos e cores diferentes. Um deles tinha na frente uma figura especialmente  bonita.  Uma mulher  com estrelas sobre a cabeça e uma meia lua sob o pé esquerdo. Que figura interessante! O dourado no fundo tornava a figura ainda mais bonita.. Desviei o olhar para o alto  da prateleira e li  numa etiqueta, a palavra “Oráculos” e logo abaixo uma edição em inglês do Livro do I ching. Lembre-me de  Paul,  um  colega do curso que dias antes me falara que costumava consultar o  oráculo, aliás, ele  não tomava nenhuma decisão importante sem consultar um.
- Meus olhos voltaram para o  baralho. Me aproximei mais, parecia que aquela mulher me chamava.  Eu me sentia como se estivesse hipnotizado.  Comprei o baralho e o livro de I Ching. Não sabia porque ou para que.  Pensava pedir ajuda a  Paul...., ele  haveria de me orientar. Talvez até soubesse  como usar as cartas.
- Dirigi-me imediatamente para casa. Uma estranha ansiedade tomou conta de mim.  Queria abrir a caixa e ver as outras cartas.
- Ainda agora posso recordar  como estava emocionado com a aquisição feita. Essa sensação não tinha nada de natural, convenhamos. Logo abri o embrulho e me vi diante de  setenta e oito  cartas com figuras estranhas, a maioria de homens e  mulheres. Não entendi de que maneira tudo isso poderia ajudar Paul a decidir algo. Assim, guardei as cartas e coloquei a caixa dentro de uma gaveta.  Dediquei algumas horas a ler o livro e logo percebi a sua complexidade.  Logo também ele estava guardado,  aguardando  uma melhor oportunidade para ser lido.
Clara ouvia o relato com muita atenção, demonstrando grande curiosidade. Vez por outra, tomava mais um gole de chá ou preenchia a xícara do amigo à medida que esta ia sendo esvaziada. Em momento algum interrompeu a  fala de João Carlos.  Ao contrário queria saber mais.
- Quando começava a me preparar  para retornar  ao Brasil, Paul me convidou para jantar em sua casa, nos arredores de Londres. Ao final da refeição,  meu amigo perguntou  se eu não  gostaria que sua esposa fizesse  a previsão do meu futuro.  Talvez a leitura do Livro da Sabedoria...
- Você não pode imaginar que estranha sensação me percorreu diante da proposta. Assim como se alguma parte de mim respondesse sim, independente da minha vontade. Nunca havia me interessado ou procurado alguém  para fazer previsões, mesmo acreditando nisso. Sabia que muitos   paranormais podem ler oráculos. No entanto, nunca havia pensado em  saber algo sobre meu futuro.  Mas como rejeitar um oferecimento do meu amigo?  Assim agradeci a gentileza e aguardei enquanto Mary, a esposa de Paul, abria um grande lenço de seda que embrulhava algo.
-          João parou de falar e tomou um pouco de chá. 
-          Talvez não queira falar sobre as previsões, pensou Clara.
Ficou em silêncio, apenas olhando fixamente para o amigo, aguardando sem saber se ele continuaria o relato.
- Clara! O que vou  lhe falar agora, não disse jamais a ninguém. Não sei mesmo porque esta necessidade de partilhar com você esta experiência.  Mas meu coração diz que posso confiar-lhe isso. E aprendi a  obedecer à voz do coração.
Enquanto falava, o olhar de João Carlos foi mudando Uma suavidade  maior foi tomando conta da sua voz  e da sua fisionomia. Uma doçura estranha até mesmo para ele. Com certeza era o efeito das lembranças que estavam vindo e traziam com elas toda a emoção vivida na época dos acontecimentos.
- Veja a estranha coincidência:  Diante de mim, sobre a mesa,  estava um baralho exatamente igual ao meu. Muita coincidência!
Clara olhou para o amigo mostrando a surpresa. . Nenhuma palavra. O  que poderia dizer?  E ficaram assim, calados, se olhando. Pareciam hipnotizados. Sem qualquer dúvida, era um momento mágico que nenhum queria interromper.  Passaram-se alguns minutos até que a magia se rompeu e ele continuou a falar, como se  despertasse de um transe.
- Mary  embaralhava as cartas, parecendo totalmente concentrada no que fazia, não podia perceber o que se passava em minha mente.  Algumas cartas foram colocadas sobre o lenço que fazia o papel de toalha enquanto outras ficaram juntas de lado. E lá estava  aquela figura da mulher, lá no centro da mesa. Então ela começou a falar.
- E parece que ainda  hoje ouço a sua voz  falando  de minha vida, da infância, da família, dos meus sonhos e planos....de repente, Mary desviou os olhos da mesa  e me olhou de um jeito  enigmático. Disse   que dentro de alguns dias, antes mesmo da volta ao  Brasil,  eu  teria oportunidade de conhecer algo sobre mim mesmo, algo  que eu desconhecia e que esse fato mudaria o meu destino. Perguntei sobre essa  mudança, mas  em vão. Respondeu que no tempo certo as respostas viriam. Só  me restava esperar.
-          E então? Só isso de importante? Foi a única coisa que Clara disse.
João Carlos a olhou de forma misteriosa.
- Não! Apontando para a carta da mulher,  me assegurou  que continuaria sozinho, enquanto não encontrasse um amor perdido no passado.
-          Como assim?
- Segundo ela, estou esperando alguém que amei em outro tempo...e  há um encontro marcado. É a lembrança inconsciente dessa mulher que amei e espero encontrar a qualquer momento, que faz com que  ninguém me interesse. Tem bastante coerência com a minha vida. Talvez por isso ainda não me apaixonei de verdade, apesar de ter tido várias experiências de namoro, saídas, sabe como é...
Clara parecia distante, mas ouvia com muita atenção.
Foi até a mesa onde a estava a jarra com o suco de frutas e serviu os dois copos. Sentou-se na poltrona   mais próxima de João Carlos e o serviu. Tomaram um pouco do suco e ela voltou a olhar o amigo, deixando-o perceber a sua   curiosidade. Ele colocou o copo sobre a bandeja  e continuou.
-          João, continue. E então?
-          Continuo aguardando que se cumpra aquilo que deve ser vivido.
-          Mas e depois?
João Carlos parece ir longe, buscar lembranças e respostas
continua...

MCCA

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